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A mulher oculta

 

HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

 

Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

A mulher oculta

Título original: The Kept Woman

© 2016, Karin Slaughter

© 2017, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.

Tradutor: Fátima Tomás da Silva

 

Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

Esta edição foi publicada com a autorização de HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, acontecimentos ou situações são pura coincidência.

Desenho da capa: Gonzalo Rivera

Imagem da capa: Getty Images y Dreamstime.com

 

I.S.B.N.: 978-84-9139-126-5

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

 

 

 

 

A mulher oculta

Créditos

Sumário

Dedicatoria

Prólogo

Segunda-feira

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Há uma semana

Agora

Capítulo 9

Terça-feira

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Onze dias depois: Sábado

Capítulo 14

Epílogo

Agradecimentos

Se gostou deste livro…

 

 

 

 

 

 

Para os meus leitores

Prólogo

 

 

 

 

 

Pela primeira vez, na sua vida, embalou a filha nos seus braços.

Há muitos anos, no hospital, a enfermeira perguntara-lhe se queria pegar no bebé ao colo, mas recusara-se a fazê-lo. Recusara-se a dar um nome à menina. Recusara-se a assinar os documentos da adoção. Fugira das responsabilidades, como sempre fazia. Recordava-se de vestir as calças de ganga, antes de sair do hospital. Ainda estavam molhadas, pois usava-as quando as águas tinham rebentado. A cintura, que antes estava apertava, ficara larga e tivera de agarrar o tecido com a mão, enquanto descia as escadas das traseiras e corria ao encontro do rapaz que a esperava no carro, na esquina.

Havia sempre um rapaz à espera, à espera de qualquer coisa dela, a desejá-la, a detestá-la. Era sempre assim, desde que se lembrava. Aos dez anos de idade, o proxeneta da mãe oferecera-lhe comida em troca da sua boca. Aos quinze, um pai de acolhimento gostava de a magoar. Aos vinte e três, um militar usava o seu corpo como um campo de batalha. Aos trinta e quatro, um polícia convencera-a de que não era violação. Aos trinta e sete, um outro polícia fizera-a pensar que a amaria para sempre.

Mas, «para sempre» nunca era tanto tempo como pensava.

Tocou no rosto da filha. Suavemente, desta vez, não como antes.

Era tão bonita…

A pele era suave, sem rugas. Tinha os olhos fechados, mas havia um leve tremor por detrás das pálpebras. E ouviu o som da sua respiração.

Com muito cuidado, afastou-lhe o cabelo da cara e prendeu-o atrás da orelha. Poderia tê-lo feito no hospital, há muitos anos. Suavizar a testa franzida. Beijar os dez dedos minúsculos das mãos, acariciar os dez dedinhos dos pés.

Agora, ela arranjava as unhas. Os dedos dos pés eram compridos e apresentavam lesões por causa das aulas de balé que frequentara durante anos, por dançar até altas horas da noite, por causa dos inúmeros acontecimentos que tinham preenchido a sua vida agitada e vibrante, uma vida sem mãe.

Tocou nos lábios da filha com os dedos. Estavam frios. Estava a perder muito sangue. O cabo da navalha, espetado num lado do peito, mexia-se ao compasso dos batimentos do coração. Por vezes como um metrónomo e outras como o ponteiro dos segundos de um relógio, que estava a ficar sem pilhas.

Tantos anos perdidos.

Devia ter pegado na filha ao colo, no hospital. Só dessa vez. Devia ter imprimido algumas memórias nesse contacto, para que não se sobressaltasse como acontecia agora, afastando-se da sua mão, como se afastaria da mão de um desconhecido.

Eram perfeitas desconhecidas.

Abanou a cabeça. Não podia deixar-se levar por tudo o que perdera, nem pelos motivos por que perdera. Tinha de pensar em como era forte, que era uma sobrevivente. Passara a vida na corda bamba, a fugir de coisas que as pessoas costumavam almejar. Uma filha, um marido, um lar, uma vida.

Felicidade. Plenitude. Amor.

Agora, percebia que aquela fuga constante a conduzira para aquela divisão lúgubre, a prendera naquele lugar sinistro, onde segurava a filha nos braços pela primeira e última vez, enquanto sangrava até morrer.

Ouviu barulho, um arranhar do outro lado da porta fechada. A fresta de luz na soleira da porta mostrou a sombra de dois pés, que deslizavam no chão.

Seria o potencial assassino da filha?

O seu próprio assassino?

A porta de madeira cedeu, na ombreira de metal. Um quadrado de luz indicava o lugar onde estivera a maçaneta.

Pensou nas armas que poderia usar. Os seus saltos agulha, que tirara ao correr pela estrada. A navalha cravada no peito da filha.

A jovem ainda respirava. O cabo da navalha oprimia um órgão vital, contendo a torrente de sangue, o que tornava a agonia lenta, dolorosa.

Aproximou os dedos da navalha por um instante, mas depois afastou a mão.

A porta voltou a abanar. Ouviu-se um som. Metal contra metal. O quadrado de luz começou a estreitar-se, até desaparecer. Uma chave de fendas apareceu no buraco.

Clique, clique, clique, como uma arma vazia a disparar.

Apoiou suavemente a cabeça da filha no chão. Ajoelhou-se, mordendo o lábio quando uma pontada de dor lhe atravessou as costelas. A ferida nas costas abrira-se. O sangue escorreu pelas pernas. Os músculos começaram a contrair-se espasmodicamente.

Gatinhou pela divisão às escuras, sem fazer caso dos pedaços de serradura e das aparas metálicas que se cravavam nos joelhos, da dor aguda debaixo das costelas, do fluxo contínuo de sangue que deixava um rasto atrás dela. Encontrou porcas e pregos, e depois a mão tocou em algo frio, redondo e metálico. Apanhou-o. Apalpando-o, às escuras, soube o que tinha nas mãos. Era a maçaneta da porta. Maciça. Pesada. O fuso de dez centímetros sobressaía como um picador de gelo.

Ouviu-se um último clique, quando a porta foi destrancada.

A chave de fendas caiu no chão de cimento com um estrondo. A porta abriu-se um pouco.

Semicerrou os olhos, encandeada pela luz que entrava na divisão. Pensou em todas as formas como magoara vários homens ao longo da sua vida. Uma vez, com uma pistola. Outra, com uma agulha. Com os punhos, inúmeras vezes. Com a boca. Com os dentes. Com o coração.

A porta abriu-se mais uns centímetros, cautelosamente. O canhão de uma pistola apareceu pela ranhura.

Agarrou na maçaneta, de modo a sobressair entre os seus dedos, e esperou que o homem entrasse.

Segunda-feira