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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2016 Dani Collins

© 2019 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Um segredo por trás do véu, n.º 1774 - janeiro 2019

Título original: The Secret Beneath the Veil

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1307-648-5

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Epílogo

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Capítulo 1

 

 

 

 

 

O sol da tarde atravessava diretamente a janela, cegando Viveka Brice ao avançar pelo corredor improvisado do casamento que ia evitar… embora ninguém soubesse.

O interior do clube de regatas, situado naquela ilha remota e exclusiva do Egeu, era de mármore e bronze, o que acrescentava mais resplendor à luz branca. Se a isso acrescentasse as camadas do véu, mal conseguia ver, portanto, teve de se agarrar com relutância ao braço do seu padrasto ofendido.

Certamente, ele também não via muito bem. Caso contrário, tê-la-ia desafiado por estragar o seu plano. Não se apercebera de que ela não era Trina.

Estava a conseguir esconder o facto de a irmã ter deixado o edifício. Tinha o estômago às voltas por causa dos nervos e da emoção.

Semicerrou os olhos e tentou não fixar o olhar nos convidados do casamento que estavam de pé à frente do sacerdote. Evitou deliberadamente olhar para a figura alta e imponente do noivo confiante e olhou pelas janelas para o bosque de mastros que balançavam na água. A irmã livrara-se daquele casamento forçado com um desconhecido, recordou-se, tentando acalmar o ritmo acelerado do seu coração.

Há quarenta minutos, Trina deixara o pai no quarto em que estava a vestir-se. Ainda usava aquele vestido, mas não usava o véu. Prometera a Grigor que estaria pronta a tempo enquanto Viveka se mantinha longe da sua vista. Grigor não sabia que Viveka regressara à ilha.

Assim que Grigor saíra do quarto, Viveka ajudara Trina a tirar o vestido e, depois, a irmã ajudara-a a vestir-se. Tinham dado um forte abraço e, depois, Trina desaparecera no elevador de serviço de onde chegara a um hidroavião que o seu verdadeiro amor contratara. Dirigiam-se para uma das ilhas maiores do norte, onde estava tudo pronto para se casarem assim que aterrasse. Viveka estava a ganhar tempo para eles ao apaziguar as suspeitas, permitindo que a cerimónia continuasse durante o máximo de tempo possível, antes de revelar a sua identidade e fugir também.

Voltou a estudar o horizonte em busca da bandeira do barco que contratara. Foi-lhe impossível vê-lo e isso deixou-a ainda mais nervosa do que a ideia de entrar numa embarcação perfeitamente segura. Odiava barcos, mas não estava em posição de alugar um helicóptero privado. Entregara uma quantia considerável das suas economias a Stephanos para o ajudar a levar Trina de avião. Gastar o resto a atravessar o Egeu numa lancha rápida era o mais parecido com o seu pior pesadelo, mas o ferryboat só fazia um trajeto por dia e deixara-a lá naquela manhã.

Contudo, sabia que o barco estava no cais. Pagara ao capitão para esperar e Stephanos assegurara-lhe que podia deixar as malas a bordo sem nenhum risco. Assim que se descobrisse, nem sequer teria tempo para mudar de roupa. Iria a correr procurar o barco, cerraria os dentes e navegaria para o entardecer, satisfeita por ter prevalecido finalmente sobre Grigor.

O coração acelerou quando chegaram ao fundo do corredor e Grigor transferiu os seus dedos gelados para o noivo de Trina, o assustador Mikolas Petrides. O seu contacto causou-lhe um calafrio que a atravessou. Pensou que era alarme. Tensão nervosa.

O contacto de Mikolas fraquejou de um modo quase impercetível. Também teria sentido o choque? Envolveu os seus dedos com os dele, causando uma onda de calor por todo o corpo. Não era conforto. Viveka não se enganava achando que Mikolas se incomodaria com uma coisa dessas. Era ainda mais intimidante pessoalmente do que em fotografias, tal como Trina lhe dissera.

Viveka estava impressionada com a força que emanava do peito e dos ombros tão largos. Tinha demasiada energia masculina para a irmã mais nova de Viveka. E também para ela própria.

Olhou de esguelha para o seu rosto e encontrou o seu olhar a tentar penetrar através das camadas do véu. Tinha o sobrolho franzido, quase como se suspeitasse que a mulher que tinha à sua frente não era quem devia ser.

Meu Deus, era muito bonito com aquelas maçãs do rosto marcados e a pequena covinha do queixo. Tinha os olhos de um cinzento fumado, rematados por umas pestanas pretas e compridas que não se alteraram quando baixou o olhar.

«Podíamos ter tido filhos com olhos azuis», pensara Viveka, quando vira a sua fotografia pela primeira vez. Era uma daquelas tolices genéticas que lhe chamara a atenção quando era suficientemente jovem para acreditar no casal perfeito. Agora, continuava a ser um atributo que, na sua opinião, tornava um homem mais atraente.

Sentiu-se tentada a examinar a sua imagem e a especular sobre o futuro com ele, mas pensou que tinha uma missão desde que Trina lhe dissera, a chorar, que iam vendê-la numa fusão empresarial como se fosse uma escrava do século XVI. A única coisa que Viveka tivera de fazer fora ver os artigos que diziam que o noivo de Trina era o filho de um gângster grego assassinado. Nunca permitiria que a irmã se casasse com aquele homem. Trina suplicara a Grigor que esperasse até março, quando fazia dezoito anos. Também lhe pedira que o casamento fosse íntimo e que se celebrasse na Grécia. Aquela fora a única concessão que conseguira. A partir daquela manhã, Trina tinha idade legal para se casar com quem quisesse e não escolhera o poder e a riqueza de Mikolas Petrides.

Viveka engoliu em seco. O contacto visual parecia manter-se, apesar da organza cor de marfim que havia entre eles, criando uma sensação de ligação que lhe causou uma corrente de energia e de nervos por todo o corpo.

Trina e ela eram parecidas com a mãe, mas Trina era mais morena, com a cara redonda e os olhos castanhos e quentes, enquanto Viveka tinha os olhos azuis e madeixas loiras naturais que cobrira com o véu.

Mikolas saberia que não era Trina? Baixou o olhar.

O sussurro das pessoas ao sentar-se e a paragem da música causaram-lhe uma onda de suor na pele. Mikolas conseguiria ouvir a sua pulsação e sentir os seus tremores?

«Isto é apenas teatro», recordou-se. Nada daquilo era real ou válido. Acabaria depressa e poderia seguir em frente com a sua vida.

Durante um tempo, considerara a possibilidade de ganhar a vida como atriz. Sempre quisera ser uma artista de algum tipo, mas tivera de crescer depressa quando a mãe morrera. Trabalhara ali, no clube de regatas, mentindo sobre a sua idade para lavar pratos e fazer limpezas.

Queria tornar-se independente de Grigor o mais depressa possível e afastar-se dos seus comentários depreciativos que se tinham tornado um abuso direto. Grigor ajudara-a, expulsando-a de casa antes de fazer quinze anos. Na verdade, afastara-a daquela ilha, da Grécia e da irmã quando soubera que estava a trabalhar, que tinha os meios para se sustentar e que não se renderia à vontade dele. Expulsara-a de casa, certificara-se de que era despedida e de que não conseguia trabalhar em nenhum lugar.

Trina, que tinha nove anos, dissera-lhe que ficaria bem. Que podia ir-se embora.

Viveka fora viver com uma tia mais velha da mãe em Londres. Só conhecia Hildy através de postais de Natal, mas a mulher acolhera-a. Não fora fácil. Viveka sonhara ir buscar a irmã e viver com ela lá. Há alguns meses, pensara nelas como duas mulheres livres e jovens, com vinte e três e dezoito anos, a lavrar um futuro na grande cidade…

– Eu, Mikolas Petrides…

Tinha uma voz arrebatadora. Enquanto repetia o seu nome e pronunciava os votos, a cadência aveludada do seu tom apoderou-se dela. Cheirava bem, a roupa boa, a loção de barbear e a algo único e masculino que soube que ficaria gravado nela para sempre.

Não queria recordar aquilo durante o resto da sua vida. Era uma cerimónia que nem sequer devia estar a acontecer. Era apenas uma substituta.

O silêncio fez com que se apercebesse de que era a vez dela.

Pigarreou e procurou um tom modesto adequado. Trina nunca fora o objetivo de Grigor. Não só porque era a sua filha biológica, mas porque era tímida, provavelmente, porque o pai era um sexista malvado.

Viveka aprendera da forma mais difícil a sentir terror de Grigor. Mesmo em Londres, a nuvem da sua intolerância caíra sobre ela como veneno, fazendo com que tivesse cuidado quando contactava com Trina e sem nunca pôr a irmã contra ele ao confiar-lhe as suas suspeitas para que Grigor não pudesse magoá-la através de Trina.

Viveka jurara que não voltaria à Grécia e muito menos com planos que levassem Grigor a odiá-la ainda mais, mas tinha a certeza de que a única coisa que faria seria gritar à frente dos convidados. Havia magnatas da comunicação entre os convidados e paparazzi a sobrevoar a zona. Estar ali só significava correr o risco de passar pela confusão e pela vergonha. Mais nada.

Acreditava sinceramente nisso.

Aproximava-se o momento da verdade. A voz tremeu-lhe e conseguiu, portanto, fazer com que os seus votos fossem uma imitação credível de Trina enquanto ocupava fraudulentamente o seu lugar, anulando o casamento e a fusão que Grigor tanto desejava. Não era algo que pudesse compensar a perda da mãe, mas era uma pequena retribuição. Viveka sorriu para si enquanto o fazia.

Tremeu-lhe o ramo quando o deu a alguém e sentiu os dedos trôpegos enquanto trocava as alianças com Mikolas, mantendo a farsa até ao último minuto. Não ia assinar nenhum papel, claro, e teria de devolver a aliança. Bolas, não pensara nisso.

As mãos de Mikolas também eram atraentes, muito bem formadas, fortes e seguras. Parecia que tinha uma unha marcada, como se se tivesse magoado no passado. Se aquele fosse um casamento real, conheceria aquele detalhe íntimo sobre ele.

Os olhos encheram-se de lágrimas sem saber porquê. Tinha os mesmos sonhos infantis sobre um casamento de conto de fadas do que qualquer mulher. Desejou que aquilo fosse o princípio da sua vida ao lado do homem que amava. Mas não era assim. Nada daquilo era legal ou real.

E estavam todos prestes a aperceber-se.

– Pode beijar a noiva.

 

 

Mikolas Petrides acedera àquele casamento por uma única razão: O avô. Não era um homem sentimental ou manipulável. E, certamente, não se casava por amor. Aquela palavra era uma desculpa imatura para o sexo que não existia no mundo real.

Não, não sentia nada pela noiva. Não sentia nada por ninguém, pois fora o que decidira.

Até a lealdade pelo avô era provisória. O pappoús salvara-lhe a vida. Dera aquela vida a Mikolas quando confirmara o seu parentesco. Reconhecera Mikolas como neto, tirando-o da parte indefesa de um mundo brutal para o levar para o lado poderoso.

Mikolas agradecera-lhe por causa do seu sentido de dever. O avô nascera numa boa família durante os tempos difíceis. Erebus Petrides não permanecera no lado da lei e fizera o que considerara necessário para sobreviver. Ter uma vida corrupta custara-lhe a vida do filho e Mikolas transformara-se na segunda oportunidade de Erebus e no seu herdeiro. Dera carta-branca ao neto sobre o seu império mal construído com a condição de Mikolas o transformar numa empresa legal e, ao mesmo tempo, lucrativa.

Não era uma tarefa simples, mas aquele casamento era o último passo. De fora, parecia que o conglomerado mundialmente famoso de Grigor ia absorver uma corporação de segunda classe com um passado questionável. Contudo, na verdade, Grigor estava a ser bem pago por um logótipo empresarial. Mikolas encarregar-se-ia de toda a operação a longo prazo.

Não era irónico que a mãe tivesse sido lavadeira?

Em qualquer caso, aquele casamento era uma das condições de Grigor. Queria que o seu próprio sangue herdasse a sua riqueza. Mikolas aceitara para pagar a dívida com o avô. O casamento serviria para outro tipo de assuntos e era apenas um contrato. A cerimónia era mais elaborada do que a maioria das reuniões de trabalho, mas era apenas uma data para assinar papéis e tirar a fotografia tradicional.

Mikolas vira a noiva duas vezes. Era apenas uma criança e extremamente tímida. Era bonita, mas não despertara nenhuma faísca de atração. Renunciara a ter aventuras enquanto ela crescia e se conheciam. Enquanto esperava que a noiva chegasse ao altar, pensou que o casamento teria mais outra vantagem. O resto das mulheres não tentaria arrastá-lo para o casamento se já tivesse uma aliança.

Então, o aparecimento dela paralisara-o. Algo acontecera. Desejo.

Nunca se sentia confortável quando as coisas saíam do seu controlo. Aquele não era o lugar nem o momento para sentir uma pontada de desejo por uma mulher. Mas aconteceu.

Ela chegou ao seu lado com um véu que devia ter-lhe causado irritação. No entanto, por alguma razão, o mistério pareceu-lhe profundamente erótico. Reconheceu o seu perfume, pois sentira-o outras vezes, mas, em vez de doce e inocente, agora, parecia-lhe embriagador e feminino.

A sua figura esbelta também não era tão infantil como lhe parecera ao princípio. Mexia-se como se fosse dona do seu corpo e como não percebera antes que tinha os olhos tão azuis? Mal conseguia ver-lhe a cara, mas a intensidade daquela cor não podia esconder-se por trás de algumas camadas de renda.

O coração começou a acelerar de uma forma conhecida e dolorosa. Desejo. O real. Que significava mais do que uma necessidade básica.

Sentiu um calafrio de pânico, mas sossegou as lembranças das carências. Do terror. Da dor. Atualmente, conseguia tudo o que queria. Sempre. E ia consegui-la. Sentiu uma onda de satisfação.

A cerimónia avançava devagar. Mikolas desejava que acabasse para poder levantar-lhe o véu. Pensou que se devia à satisfação de cumprir o objetivo que o avô lhe dera. Com aquele beijo, as folhas de balanço sairiam limpas e engomadas como se fossem novas. Era uma pena que o velho não se sentisse bem para viajar até ali e desfrutar pessoalmente do momento.

Mikolas destapou o rosto da noiva e ficou paralisado.

Era linda. Tinha uma boca fascinante de lábios grossos e um queixo forte que se erguia, desafiante, enquanto as suas íris azuis pestanejavam ao observá-lo.

Aquela não era uma menina prestes a tornar-se maior de idade. Era uma mulher com maturidade suficiente para olhar para ele diretamente nos olhos sem pestanejar.

Aquela não era Trina Stamos.

– Quem raios és tu?

Ouviram-se exclamações de espanto entre as pessoas.

A mulher levantou uma mão para tirar o véu de entre os dedos paralisados de Mikolas.

Atrás dela, Grigor levantou-se com um salto e deixou escapar um palavrão.

– O que raios fazes aqui? Onde está a Trina?

Sim, onde estava a noiva? Sem a mulher correta para pronunciar os votos e tornar aquele momento legal, o casamento e a fusão ficavam paralisados. Não.

Como se antecipasse a reação de Grigor, a noiva pôs-se atrás de Mikolas e usou-o como escudo enquanto o outro homem avançava para eles.

– Maldita ordinária! – gritou Grigor.

O pai de Trina não estava surpreendido com a mudança, mas furioso. Estava claro que conhecia a mulher.

– Onde está? – perguntou Grigor, com uma veia inchada na testa.

Mikolas esticou uma mão para evitar que o homem agarrasse a mulher que tinha atrás dele. Queria que lhe desse uma explicação antes de Grigor dar rédea solta à sua fúria.

Ou talvez não.

Ouviram-se outros gemidos de surpresa entre as pessoas, marcados pelo barulho da porta de incêndios e o som do alarme.

A noiva fugira pela porta de emergência.

Capítulo 2

 

 

 

 

 

Viveka corria todos os dias. Estava em forma e a adrenalina enchia-lhe as artérias, dando-lhe a habilidade de se mexer rapidamente e levemente enquanto fugia da fúria de Grigor.

O vestido, os saltos, os espaços entre as plataformas e o cais flutuante já eram outra história. Bolas!

Chegou inteira à rampa oscilante graças aos corrimões que havia de ambos os lados, mas, depois, começou a correr pela plataforma instável que havia entre as rampas das embarcações em busca da bandeira do barco e… a cauda do vestido prendeu-se em alguma coisa. Nem sequer conseguiu ver onde se prendera. Caiu para trás e perdeu completamente o equilíbrio.

Virou o tornozelo, cambaleou, tentou recuperar, prendeu o pé numa corda e tentou agarrar-se ao corrimão do iate que tinha ao lado.

Contudo, não conseguiu e caiu para um lado do barco com o ombro. A tentativa foi fracassada, caiu para a água e teria dado um grito, mas teve a boa ideia de respirar fundo antes de cair.

A água salgada, fria e turva, fechou-se sobre ela.

«Não entres em pânico», pensou, esticando as pernas. Mas ficou ainda mais presa no vestido e no véu.

«Mamã.» Fora aquilo que devia ter sentido naquela noite longe da margem, ao encontrar-se, de repente, na água fria e tumultuosa, presa num vestido de noite.

«Não entres em pânico.»

Os olhos de Viveka ardiam quando tentou afastar o véu o suficiente para ver para onde iam as bolhas. O vestido flutuava ao seu redor, toldando-lhe a visão e cada vez mais pesado. O frio da água atravessou-lhe a pele. O peso do vestido puxava-a para baixo.

Começou a mexer as pernas, mas as camadas do vestido interpunham-se no seu caminho. Os saltos de agulha cravavam-se no tecido. Era um esforço inútil. Ia afogar-se a escassos metros do cais.

A necessidade de ar tornou-se insuportável.

Então, uma mão agarrou-a pelo braço e puxou-a. Viveka deixou escapar o ar escasso que lhe restava e tentou não inalar. Quando atravessou a mancha de luz por cima dela, ofegou e encheu os pulmões de ar, afastando o véu para ver o seu salvador. Mikolas.

Tinha um aspeto assustador. Viveka sentiu um aperto no coração.

Mikolas puxou-a para a arrastar para a rampa que havia na popa de um iate e pôs-lhe as mãos nela para que se agarrasse. Viveka obedeceu como se a sua vida dependesse disso. Ardiam-lhe os pulmões. Tinha um nó no estômago devido ao choque. Tentou recuperar o fôlego para esclarecer os pensamentos.

As pessoas tinham começado a juntar-se ao pé do cais para tentar ver entre os barcos. Viveka sentia que o vestido era feito de chumbo. Conseguiu tirar o véu do cabelo e deixou-o a flutuar sem se atrever a olhar para Grigor. Vira as suas pernas robustas de soslaio e isso bastava-lhe. O coração estava acelerado.

– O que raios está a acontecer aqui? – inquiriu Mikolas, num tom autoritário. – Onde está a Trina? Quem és tu?

– Sou a irmã. – Viveka engoliu água quando uma onda banhou o barco a que estavam agarrados. – Ela não queria casar-se contigo.

– Então, não devia ter aceitado a proposta. – Mikolas endireitou-se para se sentar na plataforma.

Claro, como se fosse assim tão fácil.

Era difícil olhar para Mikolas com aquela expressão letal. Como conseguia parecer um ator de cinema de ação com a camisa branca colada aos ombros musculados, sem casaco ou gravata e com o cabelo colado à cabeça? Era como olhar diretamente para o sol.

Mikolas levantou-se e agarrou-a pelos braços para a tirar da água. Deixou escapar um palavrão quando a deixou no chão ao seu lado. Ela cambaleou e tentou manter o equilíbrio entre o movimento do barco.

Mikolas salvara-lhe a vida. Engoliu em seco e tentou assimilar aquela sensação perturbadora de gratidão. Construíra um escudo forte que a protegia das faltas de respeito, mas não sabia como lidar com a amabilidade. Estava comovida.

A voz de Grigor devolveu-a à realidade. Tinha de fugir dali. Puxou o corpete e abriu os botões delicados das costas para tentar tirar o tecido pelas ancas. Só tinha um sutiã e umas cuecas de renda branca por baixo, o que era basicamente um biquíni. Era suficiente para nadar até à sua embarcação de fuga.

Para sua surpresa, Mikolas ajudou-a a tirar o vestido e, depois, a entrar outra vez na água. Contudo, não lhe deu oportunidade de passar à frente dele. Pôs-lhe as mãos largas na cintura.

Grigor.

– Não! – gritou ela.

 

 

Aquela mulher ridícula quase lhe deu um pontapé na cara quando a tirara da plataforma para a puxar para a coberta do iate. Grigor estava à espera dela. O que achava, que ia atirá-la ao mar?

– Não! – gritou, novamente. E mexeu-se. Porém, Grigor levou-a até onde ele estava.

Mikolas subiu a escadaria com o ímpeto de um homem no comando. Odiava as surpresas.