ATRAÍDAS
(UM MISTÉRIO DE RILEY PAIGE – LIVRO 4)
BLAKE PIERCE
Blake Pierce
Blake Pierce é autor da série bestseller de mistérios RILEY PAGE, que inclui sete livros (e ainda há mais por vir). Ele também é o autor da série de mistério MACKENZIE WHITE, que inclui cinco livros (mais estão previstos); da série de mistério AVERY BLACK, composta por quatro livros (mais por vir); e da nova série de mistério KERI LOCKE.
Um leitor ávido e fã de longa data dos gêneros de mistério e suspense, Blake adora ouvir as opiniões de seus leitores. Então, por favor, sinta-se à vontade para visitar o site www.blakepierceauthor.com e manter contato.
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LIVROS ESCRITOS POR BLAKE PIERCE
SÉRIE DE MISTÉRIO DE RILEY PAIGE
SEM PISTAS (Livro #1)
ACORRENTADAS (Livro #2)
ARREBATADAS (Livro #3)
ATRAÍDAS (Livro #4)
PERSEGUIDA (Livro #5)
SÉRIE DE ENIGMAS MACKENZIE WHITE
ANTES QUE ELE MATE (Livro nº1)
ANTES QUE ELE VEJA (Livro nº2)
SÉRIE DE ENIGMAS AVERY BLACK
MOTIVO PARA MATAR (Livro nº1)
MOTIVO PARA CORRER (Livro nº2)
SÉRIE DE MISTÉRIO KERI LOCKE
RASTRO DE MORTE (Livro 1)
INDICE
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPITULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPITULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZASSEIS
CAPÍTULO DEZASSETE
CAPITULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZANOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
CAPÍTULO QUARENTA
CAPITULO QUARENTA E UM
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO
CAPÍTULO QUARENTA E CINCO
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS
CAPÍTULO QUARENTA E SETE
CAPÍTULO QUARENTA E OITO
Sentado no carro, o homem dava sinais de alguma preocupação. Ele sabia que tinha que se apressar. Naquela noite era importante que tudo corresse bem. A grande questão era saber se a mulher seguiria aquele percurso à hora habitual.
Eram onze horas da noite e o momento aproximava-se.
O homem recordou-se da voz que ouvira, uma voz que ecoara na sua cabeça antes de chegar àquele local. A voz do avô.
“Espero que tenhas razão quanto ao horário dela, Mafarrico.”
Mafarrico. O homem sentado no carro não gostava daquela forma de tratamento. Não era o seu nome. Era um dos nomes que se dava ao diabo com origem no folclore popular. Para o avô, ele não era mais do que uma “semente maligna”.
O avô chamara-o de Mafarrico desde sempre. Apesar de todas as outras pessoas o chamarem pelo seu nome, o nome que lhe ficara gravado de forma mais profunda fora Mafarrico. Ele odiava o avô, mas não o conseguia tirar da cabeça.
Mafarrico esbofeteou-se várias vezes numa tentativa de fazer desaparecer aquela voz.
Doera e, por alguns instantes, fora inundado por uma sensação de calma.
Apesar do riso monótono do avô ainda ecoar algures dentro de si, naquele momento parecia ter-se esbatido ligeiramente.
Olhou ansiosamente para o relógio. Passavam alguns minutos das onze. Será que ela se atrasaria? Iria para outro lugar? Não, não era o seu estilo. Ele vigiara os seus movimentos durante vários dias e constatara que era sempre pontual e mantinha sempre a mesma rotina.
Se ao menos ela soubesse tudo o que estava em jogo. O avô castigá-lo-ia se estragasse tudo. Mas era mais do que isso. O próprio mundo parecia ter os dias contados. A sua responsabilidade era enorme e Mafarrico sentia esse peso indelevelmente.
Entretanto, luzes de faróis trespassaram a escuridão da estrada e o homem suspirou de alívio. Só podia ser ela.
Aquela estrada rural fazia ligação a poucas casas. Estava quase sempre deserta àquela hora da noite, exceto no momento em que a mulher regressava do trabalho em direção à casa onde alugara um quarto.
Mafarrico dispusera o seu carro de forma a ficar de frente para o da mulher e parou-o bem no meio daquela pequena estrada de terra batida. O homem estava fora do carro com as mãos a tremer, manuseando uma lanterna sobre o capô, esperando que o estratagema resultasse.
O seu coração bateu com mais força quando o carro da mulher passou ao lado do seu.
Para! Pediu ele, silenciosamente. Para, por favor!
E logo de seguida o carro parou a pouca distância do seu.
O homem reprimiu um sorriso.
Mafarrico virou-se e olhou em direção às luzes. Sim, era o carrinho maltrapilho da mulher, tal como previra.
Agora, restava-lhe apenas atraí-la até ele.
Ela baixou o vidro, ele encarou-a e sorriu-lhe de forma agradável.
“Parece que fiquei apeado,” Disse ele.
Apontou de forma descontraída a lanterna na direção do seu rosto. Sim, não havia dúvida de que era ela.
Mafarrico reparou que ela tinha um rosto encantador e franco. Mais importante de tudo, ela era muito magra, algo que ia ao encontro do que pretendia.
Era uma pena o que teria que lhe fazer. Mas era como o avô sempre dissera: “É para o bem comum.”
Era verdade e Mafarrico sabia-o. Se a mulher ao menos compreendesse, talvez até estivesse disposta a sacrificar-se. Afinal de contas, o sacrifício era uma das mais nobres caraterísticas da natureza humana. Ela devia dar-se por contente por poder contribuir.
Mas ele sabia que isso seria esperar demais. As coisas iriam desenrolar-se de forma violenta e confusa, como aliás sempre acontecia.
“O que se passa?” Perguntou a mulher.
A forma como a mulher falava tinha algo de apelativo, mas ainda não percebera o quê.
“Não sei,” Respondeu. “Morreu.”
A mulher espreitou para fora da janela. Ele olhou diretamente para ela. O seu rosto sardento emoldurado por uma cabeleira ruiva e encaracolada, era aberto e sorridente. Não parecia estar minimamente incomodada com o inconveniente.
Mas confiaria o suficiente para sair do carro? Se as outras mulheres servissem como barómetro, provavelmente sim.
O avô dizia-lhe constantemente que era feio e ele não conseguia evitar pensar em si dessa forma. Mas também sabia que as outras pessoas – sobretudo as mulheres – consideravam-no bem-parecido.
O homem gesticulou na direção do capô aberto. “Não percebo nada de carros,” Disse-lhe.
“Nem eu,” Respondeu a mulher.
“Bem, talvez os dois consigamos descobrir o que se passa,” Disse ele. “Não se importa de tentar?”
“De maneira nenhuma, mas não pense que vou ser grande ajuda.”
Ela abriu a porta, saiu do carro e caminhou na direção do homem. Sim, tudo corria na perfeição. Conseguira atraí-la para fora do carro. Mas ainda corria contra o tempo.
“Vamos lá ver isto,” Disse ela, colocando-se ao seu lado e olhando para o motor.
E então o homem compreendeu o que lhe agradara na sua voz.
“Tem um sotaque interessante,” Disse ele. “É Escocesa?”
“Irlandesa,” Declarou agradavelmente. “Só cá estou há dois meses, tenho uma carta verde para trabalhar com uma família.”
Ele sorriu. “Bem-vinda à América,” Disse.
“Obrigada. Até agora estou a adorar.”
Ele apontou para o motor.
“Espere lá,” Disse o homem. “O que é aquilo?”
A mulher inclinou-se para ver melhor. E ele soltou o apoio e bateu o capô contra a sua cabeça com estrondo.
De seguida, abriu o capô, esperando que não tivesse que lhe bater novamente com ele. Felizmente, a mulher já estava inconsciente com o rosto e tronco estirados contra o motor.
Olhou à sua volta. Ninguém à vista. Ninguém vira o sucedido.
Estremeceu com prazer.
Pegou na mulher ao colo, reparando que o rosto e vestido estavam agora manchados com óleo. Era leve como uma pena. Contornou o carro e deitou-a no banco de trás.
E ao fazê-lo teve a certeza de que esta iria servir bem os seus propósitos.
*
Quando Meara começou a recuperar a consciência, ouviu um ruído ensurdecedor. Parecia uma mistura infindável de sons. Gongos, sinos, chilreares e diversas melodias que pareciam sair de dezenas de caixas de música. Todos os sons pareciam deliberadamente hostis.
Abriu os olhos, mas não conseguiu ver nada. A cabeça explodia de dor.
Onde estou? Pensou.
Algures em Dublin? Não, não perdera a noção de tempo. Viera de lá há dois meses e começara a trabalhar mal se instalara. Estava no Delaware. Com algum esforço lembrou-se de ter parado o carro para ajudar um homem. Depois algo acontecera. Algo mau.
Que lugar era aquele com todo aquele ruído horrível?
Apercebeu-se que estava a ser levada ao colo como uma criança. Ouviu a voz do homem que a transportava, uma voz que se sobrepunha ao barulho.
“Não te preocupes, chegámos a tempo.”
Os seus olhos começaram a distinguir o que a rodeava. A sua visão abarcava um inacreditável número de relógios de todos os tamanhos, formas e estilos. Viu gigantescos relógios de pé rodeados de relógios de menores dimensões, alguns relógios de cuco, outros exibindo pequenas paradas de pessoas mecânicas. Espalhados nas prateleiras, avistavam-se ainda relógios mais pequenos.
Estão todos a bater a hora certa, Pensou.
Mas no meio de todo aquele barulho, não conseguia distinguir o número de gongos e sinos.
Virou a cabeça para ver quem a levava. Ele olhou para ela. Sim, era ele – o homem que lhe pedira ajuda na estrada. Tinha sido uma idiota em parar. Caíra na sua armadilha. O que iria ele fazer-lhe?
Quando o ruído dos relógios se diluiu, Meara ficou impossibilitada de ver as coisas que a rodeavam. Não conseguia manter os olhos abertos. Sentiu-se a perder a consciência.
Tens que ficar acordada, Pensou para si.
Ouviu um barulho metálico, depois sentiu que o homem a pousava com cuidado numa superfície fria e dura. Outro barulho se seguiu, seguido de passos e, finalmente, ouviu uma porta a abrir e fechar. A imensidade de relógios continuava o seu persistente tique-taque.
Depois ouviu vozes femininas.
“Está viva.”
“Pior para ela.”
As vozes eram roucas e sussurradas. A custo, Meara conseguiu abrir os olhos. Percebeu que o chão era de cimento. Virou-se dolorosamente e viu três formas humanas sentadas no chão junto a si. Ou pelo menos pensou tratarem-se de seres humanos. Pareciam ser jovens, adolescentes, mas estavam descarnadas, pouco mais do que esqueletos, com os ossos a sobressaírem visivelmente debaixo da pele. Uma parecia quase inconsciente, a cabeça pendurada para a frente e os olhos fixos no chão cinzento. Aquelas figuras lembravam-lhe fotografias que vira de prisioneiros de campos de concentração.
Estariam realmente vivas? Sim, tinham que estar vivas. Acabara de as ouvir falar.
“Onde estamos?” Perguntou Meara.
Mal ouviu a resposta sussurrada.
“Bem-vinda,” Disse uma delas, “ao inferno.”
Riley Paige não se apercebeu do primeiro soco. Ainda assim, os seus reflexos responderam bem. Sentiu o tempo a abrandar quando o primeiro golpe quase a atingiu no estômago. Desviou-se sem problemas. Depois um gancho esquerdo apontava à sua cabeça. Saltou para o lado e esquivou-se. Quando ele se aproximou para lhe acertar com um golpe final no rosto, defendeu-se e o soco atingiu-lhe as luvas.
Depois o tempo retomou o seu ritmo normal. Ela sabia que a combinação de golpes viera em menos de dois segundos.
“Ótimo,” Disse Rudy.
Riley sorriu. Agora Rudy estava mais do que preparado para o seu ataque. Riley sacudia-se, fingia, tentava fazê-lo adivinhar qual seria o seu próximo movimento.
“Não é preciso teres pressa,” Disse Rudy. “Pensa bem. Encara isto como um jogo de xadrez.”
Ela sentiu-se algo aborrecida ao manter o seu movimento lateral. Ele estava a facilitar. Porque é que ele tinha que facilitar?
Mas ela sabia que era indiferente. Esta era a sua primeira vez no ringue de boxe com um opositor real. Até à data, ela testara combinações num saco. Não se podia esquecer que era apenas uma principiante nesta forma de luta. O melhor era mesmo não se apressar.
A ideia de experimentar o boxe fora de Mike Nevins. O psiquiatra forense que colaborava com o FBI, também era um grande amigo de Riley. Tinha-a acompanhado em várias crises pessoais.
Queixara-se recentemente a Mike que tinha dificuldades em controlar os seus impulsos agressivos. Perdia as estribeiras com frequência. Sentia-se no limite.
“Tenta o boxe,” Aconselhara-a Mike. “É uma ótima forma de libertar tensões.”
Naquele momento, ela tinha a certeza absoluta de que Mike tinha razão. Sabia bem pensar com os pés bem assentes na terra, lidar com ameaças reais e não com ameaças imaginárias, e era relaxante lidar com ameaças que não colocavam a sua vida em risco.
Também fora uma boa ideia frequentar um ginásio que a afastasse da sede do FBI em Quantico. Passava demasiado tempo por lá. Era uma mudança bem-vinda.
Mas já perdera demasiado tempo. E conseguia ver no olhar de Rudy que ele se preparava para um novo ataque.
Escolheu mentalmente a sua próxima combinação. Saltou abruptamente na direção do adversário. O seu primeiro golpe foi uma esquerda da qual Rudy se desviou, ripostando com uma direita cuzada que atingiu o seu capacete. Ela respondeu em menos de um segundo com um golpe de direita que ele recebeu com a luva. Rapidamente Riley desferiu um gancho de esquerda do qual ele se desviou guinando para o lado.
“Ótimo,” Disse Rudy outra vez.
Mas a Riley não parecia ótimo. Não tinha conseguido acertar um único golpe, enquanto ele fora bem-sucedido mesmo quando se defendia. Começou a sentir invadir-se por uma onda de irritação. Mas recordou-se do que Rudy lhe dissera logo no início…
“Não esperes acertar muitos golpes. Ninguém acerta muitos. Pelo menos, não no pugilismo.”
Agora observava as suas luvas, adivinhando que desferiria outro ataque. E foi nesse momento que uma estranha transformação sucedeu na sua imaginação
As luvas transformaram-se numa chama única – a chama branca e sibilante de um maçarico. Ela estava novamente aprisionada nas trevas, cativa de um assassino sádico chamado Peterson. Ele brincava com ela, fazia-a desviar-se da chama para fugir ao seu calor abrasador.
Mas ela estava cansada de ser humilhada. Desta vez estava determinada a reagir. Quando a chama se aproximou do seu rosto, ela baixou-se e desferiu um golpe potente que não resultou. A chama voltou a aproximar-se e ela reagiu com um golpe cruzado que também não atingiu o alvo. Mas antes de Peterson encetar o próximo movimento, ela desferiu um uppercut em cheio no queixo…
“Ei!” Gritou Rudy.
A sua voz teve o efeito de fazer Riley regressar ao momento presente. Rudy estava deitado de costas no tapete.
Como é que ele foi ali parar? Interrogou-se Riley.
Depois compreendeu que o tinha atingido – e com muita força.
“Ó meu Deus!” Exclamou Riley. “Peço desculpa, Rudy!”
Rudy sorria enquanto se tentava levantar.
“Não peças desculpa,” Disse ele. “Isso foi bom.”
Retomaram o combate. O resto da sessão decorreu sem problemas e nenhum deles acertou qualquer golpe. Mas agora Riley sentia-se melhor. Mike Nevins tinha razão. Esta era precisamente a terapia de que ela precisava.
Ainda assim, não cansava de se perguntar quando é que seria capaz de afastar aquelas recordações.
Talvez nunca, Pensou.
*
Riley atacou o seu bife com entusiasmo. O Chef do Blaine’s Grill era fantástico na confeção de vários pratos menos convencionais, mas o exercício daquele dia no ginásio deixara Riley a salivar por um bom bife e uma salada. A sua filha April e a amiga Crystal pediram hambúrgueres. Blaine Hildreth, o pai de Crystal, estava na cozinha, mas estaria de volta a qualquer momento para terminar o seu mahi-mahi.
Riley relanceou o confortável restaurante com um profundo sentimento de satisfação. Tinha a noção que a sua vida não tinha suficientes noites calorosas como aquela na companhia de amigos, família e uma boa refeição. As cenas que o seu trabalho lhe oferecia eram, regra geral, bem mais desagradáveis e perturbadoras.
Dali a alguns dias, iria testemunhar numa audiência de liberdade condicional de um assassino de crianças que esperava sair da prisão sem cumprir a totalidade da pena. E ela tinha que se assegurar que ele não se safava.
Há várias semanas atrás, resolvera um caso perturbador em Phoenix. Ela e o parceiro, Bill Jeffreys, tinham apanhado um assassino que matava prostitutas. Riley ainda tinha alguma dificuldade em perceber se tinha dado um contributo positivo na resolução desse caso. A realidade era que agora sabia demasiado para o seu próprio bem a respeito de um doloroso mundo de mulheres e jovens exploradas.
Mas estava determinada em manter esses pensamentos à distância naquele momento. Sentia-se paulatinamente a descontrair. Comer num restaurante com um amigo e as filhas de ambos recordava-a do que era viver uma vida normal. Agora vivia numa casa agradável e estava cada vez mais próxima de um vizinho simpático.
Entretanto, Blaine regressou e sentou-se. Mais uma vez Riley pensou que ele era muito atraente. O cabelo que começava a rarear dava-lhe uma aparência agradavelmente madura.
“Desculpem,” Disse Blaine. “Isto funciona muito bem sem mim quando não estou cá, mas se me apanham à vista, toda a gente passa a querer a minha ajuda.”
“Sei o que é isso,” Disse Riley. “Da minha parte só espero que se me mantiver fora de vista, a UAC se esqueça de mim por uns tempos.”
April disse, “Nem penses. Não tarda nada ligam-te e enviam-te para algum lugar distante do país.”
Riley suspirou. “Bem que me habituava a estar incontactável.”
Blaine comeu um pedaço do mahi-mahi.
“Já pensaste em mudar de emprego?” Perguntou Blaine.
Riley encolheu os ombros. “E o que faria? Passei grande parte da minha vida adulta como agente.”
“Oh, tenho a certeza que há imensas coisas que uma mulher com o teu talento pode fazer,” Disse Blaine. “A maior parte delas bem mais segura do que ser agente do FBI.”
Ele pensou durante alguns instantes. “Imaginava-te como professora,” Declarou.
Riley riu. “E pensas que é mais seguro?” Perguntou.
“Depende do local onde lecionas,” Disse Blaine. “Que tal na universidade?”
“Isso é uma bela ideia, mãe,” Disse April. “Não tinhas que estar sempre a viajar. E conseguias continuar a ajudar as pessoas.”
Riley não disse nada enquanto refletia. Ensinar na universidade seria bastante semelhante à experiência de ensino que tivera na academia em Quantico. Ela gostara da experiência. Dera-lhe a oportunidade de recarregar baterias. Mas quereria ela ser uma professora a tempo inteiro? Conseguiria passar o dia inteiro dentro de um edifício, inativa?
Remexeu num cogumelo com o garfo.
Posso tornar-me numa coisa destas, Pensou.
“E que tal tornares-te numa investigadora privada?” Aventou Blaine.
“Não me parece,” Disse Riley. “Não me é muito apelativo andar a desenterrar segredos sobre casais divorciados.”
“Os investigadores privados não fazem só isso,” Disse Blaine. “Que tal investigar fraude ao nível dos seguros? Sabes, tenho um cozinheiro que anda a colecionar incapacidades, diz que tem problemas nas costas. Tenho a certeza que é uma tanga, mas não o posso provar. Podias começar com ele.”
Riley riu-se. É claro que Blaine estava a gozar.
“Ou podias procurar pessoas desaparecidas,” Disse Crystal. “Ou animais de estimação desaparecidos.”
Riley riu-se novamente. “Ora aí está uma coisa que me faria sentir útil!”
April desinteressara-se da conversa. Riley reparou que estava a enviar SMSs e a dar risadinhas. Crystal debruçou-se sobre a mesa para Riley.
“A April tem um novo namorado,” Disse Crystal. Depois, num sussurro, disse, “Não gosto dele.”
Riley ficou aborrecida pelo facto da filha não dar atenção a quem estava na mesa.
“Para de fazer isso,” Disse a April. “É má educação.”
“Má educação porquê?” Perguntou April.
“Já falámos sobre isto,” Disse Riley.
April ignorou-a e continuou a escrever a mensagem.
“Larga isso,” Disse Riley.
“Só um minuto, mãe.”
Riley reprimiu um esgar. Há muito que aprendera que “um minuto”, em linguagem adolescente, era o mesmo que “nunca”.
E naquele preciso momento o seu telefone tocou. Ficou aborrecida consigo própria por não o ter desligado antes de sair de casa. Olhou para o telefone e viu que se tratava de uma mensagem do seu parceiro Bill. Pensou em não lê-la, mas não foi capaz.
Quando abriu a mensagem, relanceou e viu April a sorrir. A filha estava a apreciar a ironia. A ferver em silêncio, Riley leu a mensagem de Bill
O Meredith tem um novo caso. Quer discuti-lo connosco o mais rapidamente possível.
O Agente Especial Responsável Brent Meredith era o chefe de Riley e de Bill. E Riley era-lhe extremamente leal. Não só era um chefe bom e justo, como já a defendera muitas vezes quando tivera problemas no trabalho. Ainda assim, Riley estava determinada a não se deixar arrastar para um novo caso, pelo menos para já.
Não posso viajar neste momento, Respondeu.
Bill respondeu, É mesmo aqui na zona.
Riley abanou a cabeça desanimada. Não ia ser fácil levar a sua vontade avante.
Enviou-lhe nova mensagem, Já te digo alguma coisa.
Bill não respondeu e Riley colocou o telemóvel na mala.
“Pensei que tinhas dito que era má educação, mãe,” Disse April num tom de voz caprichoso.
April continuava a escrever no telemóvel.
“Eu já terminei,” Disse, tentando não parecer tão aborrecida como estava.
April ignorou-a. O telefone de Riley vibrou outra vez e Riley praguejou em silêncio. Viu que a mensagem, desta feita, era do próprio Meredith.
Esteja na UAC para uma reunião amanhã às 09:00.
Riley estava a tentar pensar numa forma de se desculpar quando chegou outra mensagem.
Isto é uma ordem.
Riley ficou logo abatida quando vislumbrou duas fotos visíveis nos ecrãs acima da mesa de reuniões da UAC. Uma delas era a foto de uma rapariga despreocupada com olhos claros e um sorriso cativante. A outra mostrava o seu cadáver, horrivelmente macilento, os braços apontando em direções estranhas. Tendo em consideração que lhe tinham ordenado participar naquela reunião, Riley partiu logo do princípio que deveria haver outras vítimas como aquela.
Sam Flores, um técnico laboratorial sagaz com óculos de aros escuros, operava o dispositivo multimédia na presença de quatro outros agentes sentados à volta da mesa.
“Estas fotos são de Metta Lunoe, dezassete anos,” Disse Flores. “A família vive em Collierville, New Jersey. Os pais participaram o seu desaparecimento em Março – uma fuga.”
Acrescentou à apresentação um mapa do Delaware, indicando um local em específico com um ponteiro.
Disse, “O corpo apareceu num campo à saída de Mowbray, Delaware, no dia 16 de Março. O pescoço foi partido.”
Flores mostrou outras duas imagens – numa era possível ver outra jovem de aspeto vigoroso e na outra a mesma rapariga, simplesmente irreconhecível com os braços esticados de uma forma semelhante à vítima anteriormente mostrada.
“Estas fotos são de Valerie Bruner, também com dezassete anos, também fugitiva de Norbury, Virginia. Desapareceu em Abril.”
E Flores indicou outro local no mapa.
“O corpo foi encontrado largado numa estrada de terra batida perto de Redditch, Delaware no dia 12 de Junho. Trata-se obviamente do mesmo MO. O Agente Jeffreys foi chamado para investigar.”
Riley ficou alarmada.Como é que o Bill trabalhara num caso em que ela não estava envolvida? Depois lembrou-se. Ela tinha estado hospitalizada em Junho devido às mazelas deixadas pelo cativeiro de Peterson. Mesmo assim, o Bill tinha-a visitado com frequência no hospital e nunca tinha feito qualquer referência àquele caso.
Voltou-se para Bill.
“Porque é que não me falaste nisto?” Perguntou.
O rosto de Bill estava sombrio.
“Não era o melhor momento,” Disse ele. “Tinhas os teus próprios problemas.”
“Quem foi o teu parceiro?” Questionou Riley.
“O Agente Remsen.”
Riley reconheceu o nome. Bruce Remsen tinha sido transferido para outro local antes dela ter regressado ao trabalho.
Então, depois de uma breve pausa, Bill acrescentou, “Não consegui resolver o caso.”
Riley compreendeu a sua expressão e tom. Após tantos anos de amizade e trabalho conjunto, ela conhecia Bill melhor do que ninguém. E percebeu o quão profundamente desapontado estava consigo próprio.
Flores exibiu as fotos tiradas pelo médico-legista das costas nuas das raparigas. Os cadáveres estavam de tal forma degradados que mal pareciam reais. As costas tinham cicatrizes antigas e vergões recentes.
Riley sentiu um desconforto agudo. E fora apanhada de surpresa por essa sensação. Desde quando é que ficava perturbada com fotos de cadáveres?
Flores prosseguiu, “Antes dos pescoços serem partidos, estavam praticamente mortas de fome. Também foram espancadas e o mais certo é que o tenham sido durante muito tempo. Os corpos foram levados para os locais onde foram encontrados post mortem. Não sabemos onde terão sido mortas.”
Tentando vencer o seu crescente desconforto, Rilley refletiu nas semelhanças com os casos que ela e Bill tinham resolvido nos últimos meses. O “assassino das bonecas” deixava os corpos nus das vítimas em lugares onde pudessem ser facilmente encontradas e em posições grotescas. O “assassino das correntes” pendurava os corpos das vítimas envoltas em correntes pesadas.
Agora Flores mostrava a foto de outra jovem mulher – uma ruiva de aspeto risonho. Ao lado da foto encontrava-se a imagem de um velho Toyota.
“Este carro pertencia a uma imigrante Irlandesa de vinte e quatro anos chamada Meara Keagan,” Declarou Flores. “O seu desaparecimento foi participado ontem de manhã. O seu carro foi encontrado abandonado junto a um prédio em Westree, Delaware. Trabalhava lá para uma família como criada e ama.”
Agora era a vez do Agente Especial Brent Meredith falar. Meredith era um Afro-Americano altivo, grande, com traços angulares e uma atitude racional.
“Saiu do turno às 23:00 na noite de anteontem,” Disse Meredith. “O carro foi encontrado cedo na manhã seguinte.”
O Agente Especial Responsável Carl Walder debruçou-se para a frente. Era o chefe de Brent Meredith – um homem sardento com rosto de menino e cabelo acobreado encaracolado. Riley não gostava dele. Não o considerava particularmente competente. E é claro que também não ajudava a este juízo o facto de ele já a ter despedido.
“Porque é que estamos a partir do princípio que este desaparecimento está relacionado com aqueles crimes?” Perguntou Walder. “A Meara Keagan é mais velha do que as outras vítimas.”
Chegara a vez de Lucy Vargas intervir. Lucy era uma novata jovem e inteligente com cabelo e olhos negros, e um tom de pele bronzeado.
“A resposta está no mapa. Keagan desapareceu na mesma área onde os dois corpos foram encontrados. Pode ser uma coincidência, mas parece-me altamente improvável. Não tratando-se de um período de cinco meses, todos tão próximos.”
Apesar do seu crescente desconforto, Riley gostou de ver Walder estremecer ligeiramente. Sem qualquer intenção, Lucy tinha-o remetido à sua insignificância. Riley só esperava que ele não encontrasse uma forma de se vingar de Lucy mais tarde. Walder podia ser mesquinho a esse ponto.
“Exatamente, Agente Vargas,” Disse Meredith. “Pensamos que as raparigas mais novas foram raptadas quando pediam boleia, provavelmente na autoestrada que atravessa esta área.” E apontou para uma linha específica no mapa.
Lucy perguntou, “Não é proibido pedir boleia no Delaware?” E acrescentou, “É claro que é uma situação difícil de aplicar.”
“Sem dúvida,” Disse Meredith. “E esta nem sequer é uma interestadual ou a maior autoestrada do estado, por isso o mais certo é usarem-na para esse fim. E parece que os assassinos também. Um corpo foi encontrado junto a esta estrada e os outros dois a menos de 16 quilómetros dela. Keagan foi levada a cerca de 96 quilómetros a norte dessa mesma estrada. Mas com ela o raptor usou um estratagema diferente. Se ele seguir o seu padrão habitual, vai mantê-la viva até estar perto de morrer à fome. Depois, parte-lhe o pescoço e livra-se do corpo da mesma forma.”
“Não vamos permitir que isso aconteça,” Disse Bill num tom de voz rígido.
Meredith disse, “Agentes Paige e Jeffreys, quero que comecem já a trabalhar nisto.” Empurrou uma pasta repleta de fotos e relatórios na direção de Riley. “Agente Paige, aqui tem toda a informação de que precisa para ficar a par de tudo.”
Riley fez um movimento para pegar na pasta, mas a mão retraiu-se num espasmo de horrível ansiedade.
O que é que se passa comigo?
A sua cabeça andava à roda e imagens desfocadas começaram a assumir forma no seu cérebro. Seria isto o SPT do caso Peterson? Não, era algo diferente, algo completamente diferente.
Riley levantou-se e saiu da sala de reuniões. Ao percorrer o corredor na direção do seu gabinete, as imagens na sua cabeça tornaram-se mais nítidas.
Havia rostos – rostos de mulheres e raparigas.
Riley viu Mitzi, Koreen e Tantra – jovens acompanhantes cujo vestuário respeitável escondia a sua degradação até delas próprias.
Viu Justine, uma prostituta envelhecida debruçada sobre uma bebida num bar, cansada e amarga, completamente preparada para morrer de uma morte horrível.
Viu Chrissy, virtualmente prisioneira do seu marido violento e proxeneta num bordel.
E pior que tudo, viu Trinda, uma menina de quinze anos que já tinha vivido um pesadelo de exploração sexual e que não se conseguia imaginar a ter outra vida.
Riley chegou ao seu gabinete e rapidamente se atirou para uma cadeira. Agora compreendia o seu ataque de repugnância. As imagens que acabara de ver haviam desencadeado aquelas memórias dolorosas. Tinham trazido à superfície as suas mais sombrias dúvidas sobre o caso de Phoenix. É verdade que tinha apanhado um assassino brutal, mas sentia que não fizera justiça às mulheres e raparigas que conhecera. Todo um mundo de exploração permanecia inalterado, impune. Riley não tinha sequer conseguido arranhar a superfície dos males que aquelas mulheres tinham que suportar.
E agora vivia assombrada e perturbada de uma forma que nunca antes lhe sucedera. E parecia-lhe algo bem pior que o SPT. No final de contas, ela podia libertar a sua raiva e horror num ginásio de pugilismo, mas não tinha forma de se livrar daqueles novos sentimentos.
E conseguiria ela trabalhar noutro caso como o de Phoenix?
Ouviu a voz de Bill à porta.
“Riley.”
Ergueu o olhar e viu o seu parceiro a observá-la com uma expressão triste. Segurava na pasta que Meredith lhe tentara dar.
“Preciso de ti neste caso,” Disse Bill. “É pessoal para mim. Não o ter conseguido resolver deixa-me louco. E não consigo deixar de pensar se terei falhado porque o meu casamento estava a desmoronar. Conheci a família da Valerie Bruner. São boas pessoas. Mas não mantive o contacto porque… Bem, porque os desiludi. Tenho que os compensar de alguma forma.”
Bill colocou a pasta em cima da secretária de Riley.
“Lê isto. Por favor.”
E saiu do gabinete de Riley. Ela ali permaneceu sentada, indecisa, a fitar o dossiê.
Nem parecia dela. Ela sabia que tinha que reagir.
Enquanto refletia, lembrou-se de algo relacionado com Phoenix. Tinha conseguido salvar uma rapariga chamada Jilly. Ou pelo menos tinha tentado.
Ligou para o número do abrigo para adolescentes em Phoenix, Arizona. Atendeu uma voz familiar.
“Fala Brenda Fitch.”
Riley ficou contente por Brenda ter atendido a chamada. Tinha estado em contacto com ela no caso de Phoenix.
“Olá Brenda,” Saudou. “Fala Riley. Lembrei-me de perguntar como está a Jilly.”
Jilly era uma menina que Riley tinha salvo do tráfico sexual – uma menina magricela de cabelo negro com treze anos. Jilly tinha como única família um pai violento. Riley ligava de vez em quando para saber como é que ela estava.
Riley ouviu um suspiro do outro lado da linha.
“Que bom ter ligado,” Disse Brenda. “Quem me dera que mais pessoas mostrassem alguma preocupação. A Jilly continua connosco.”
Riley ficou triste. Esperava que algum dia ligasse para o abrigo e lhe fosse dito que a Jilly tinha sido acolhida por uma família adotiva carinhosa. Mas o dia ainda não tinha chegado. Riley ficou preocupada.
Disse, “Da última vez que falámos, receava que tivesse que a mandar para junto do pai.”
“Oh, não, isso já está resolvido. Já temos uma ordem judicial para ele não se aproximar dela.”
Riley suspirou de alívio.
“A Jilly pergunta muitas vezes por si,” Disse Brenda. “Quer falar com ela?”
“Sim, por favor.”
Riley ficou à espera. E enquanto esperava pensou se seria boa ideia falar com Jilly. Sempre que falava com ela, acabava sentindo-se culpada. Não compreendia porque é que se sentia assim. Afinal, tinha salvo Jilly de uma vida de exploração e violência.
Mas tinha-a salvo para quê? Pensava. Com que tipo de vida podia Jilly sonhar?
Finalmente, ouviu a voz de Jilly.
“Olá, Agente Paige.”
“Quantas vezes é que tenho que te dizer para não me chamares isso?”
“Desculpe. Olá Riley.”
Riley deu uma risadinha.
“Olá Jilly. Como estás?”
“Acho que bem.”
O silêncio ocupou a distância entre ambas.
Uma típica adolescente, Pensou Riley. Era sempre difícil convencer Jilly a falar.
“Então, que fazes?” Perguntou Riley.
“Acabei de acordar,” Disse Jilly com uma voz ainda rouca. “Vou tomar o pequeno-almoço.”
Só então Riley se apercebeu que eram menos três horas em Phoenix.
“Desculpa ter ligado tão cedo,” Disse Riley. “Esqueço-me sempre da diferença horária.”
“Não faz mal. Gosto que ligue.”
Riley ouviu um bocejo.
“Então, hoje vais para a escola?” Perguntou Riley.
“Sim. Deixam-nos sair da prisa todos os dias para fazermos isso.”
Era uma piadinha de Jilly, chamar o abrigo de “prisa” como se estivesse numa prisão. Riley não achava piada nenhuma.
Por fim, Riley disse, “Bem, vou deixar-te tomar o pequeno-almoço e preparares-te para a escola.”
“Ei, espere,” Interpelou Jilly.
Outro momento de silêncio se instalou. Pareceu a Riley ouvir Jilly conter um soluço.
“Ninguém me quer, Riley,” Desabafou Jilly, chorando. “As famílias adotivas nunca me querem. Não gostam do meu passado.”
Riley ficou impressionada.
O seu “passado”? Pensou. Meu Deus, como é que uma menina de treze anos pode ter um “passado”? O que é que se passa com as pessoas?
“Lamento,” Disse Riley.
Jilly falava hesitantemente no meio das lágrimas.
“É que… Bem, sabe, é… Quero dizer, Riley, parece que você é a única pessoa que se preocupa.”
Riley sentiu um nó na garganta e os olhos a marejarem de lágrimas. Não conseguiu responder.
Jilly continuou, “Não podia viver consigo? Eu não dou muito trabalho. Tem uma filha, não é? Ela pode ser como uma irmã. Podemos cuidar uma da outra. Tenho saudades suas.”
Riley lutava para conseguir falar.
“Eu… Não me parece que isso seja possível, Jilly.”
“Porque não?”
Riley estava desfeita. A pergunta atingiu-a como uma bala.
“Simplesmente… Não é possível,” Disse Riley.
Ainda ouvia Jilly a chorar.
“Ok,” Respondeu Jilly. “Tenho que ir tomar o pequeno-almoço. Adeus.”
“Adeus,” Disse Riley. “Telefono em breve.”
Jilly desligou o telefone. Riley debruçou-se sobre a secretária com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto. A pergunta de Jilly continuava a ecoar na sua cabeça…
“Porque não?”
Havia milhares de razões. April já lhe dava tanto que fazer. O seu trabalho consumia em demasia o seu tempo e energia. E estaria ela qualificada ou preparada para lidar com as cicatrizes psicológicas de Jilly? É claro que não.
Riley limpou os olhos e endireitou-se na cadeira. Deixar-se levar pela autocomiseração não a ajudaria. Chegara a altura de voltar ao trabalho. Havia raparigas a morrer e elas precisavam dela.
Pegou no dossiê e abriu-o. Chegara o momento, pensou, de regressar à arena?
Mafarrico estava sentado no seu baloiço no alpendre a observar as crianças a circular nos seus fatos de Halloween. Geralmente gostava que lhe viessem bater à porta, mas naquele ano parecia-lhe uma ocasião agridoce.
Quantos destes miúdos vão estar vivos daqui a algumas semanas? Pensou.
Suspirou. Provavelmente nenhum. O prazo limite aproximava-se e ninguém prestava atenção às suas mensagens.
As correias do baloiço do alpendre chiavam. Caía uma chuva leve e quente, e Mafarrico esperava que as crianças não se constipassem. Tinha um cesto com doces no colo e estava a ser muito generoso. Fazia-se tarde e, em breve, não haveria mais crianças.
Na mente de Mafarrico ainda conseguia ouvir o avô a reclamar, apesar do velho rabugento ter morrido há vários anos. E não importava que Mafarrico já fosse adulto, nunca se libertava das tiradas do velho.
“Olha só para aquele com a capa e máscara de plástico preta,” Dissera o avô. “É suposto aquilo ser um fato?”
Mafarrico só esperava que ele e o avô não fossem ter outra discussão.
“Está vestido de Darth Vader, avô,” Disse.
“Não quero saber de que é que está vestido. É um fato barato comprado numa loja. Quando tínhamos que te vestir, fazíamos sempre os teus fatos.”
Mafarrico lembrava-se bem desses fatos. Para o transformar numa múmia, o avô embrulhava-o em lençóis rasgados. Para o transformar num cavaleiro andante, o avô cobria-o com uma pesada tabuleta para cartazes de alumínio e carregava uma lança feita do cabo de uma vassoura. Os fatos do avô eram sempre criativos.
Ainda assim, Mafarrico não recordava esses Halloweens com saudade. O avô praguejava e queixava-se sempre enquanto lhe vestia os fatos. E quando Mafarrico regressava a casa da recolha de doces… Por um instante, Mafarrico sentiu-se novamente um rapazinho. Ele sabia que o avô tinha sempre razão. Mafarrico nem sempre entendia porquê, mas isso não importava. O avô tinha razão e ele não. Era assim que as coisas eram. Era assim que as coisas sempre tinham sido.
Mafarrico ficara aliviado quando já era demasiado velho para andar de porta em porta a pedir doces. Desde então, era livre de se sentar no alpendre para dar doces às crianças. Ficava feliz por elas. Ficava feliz por desfrutarem da infância, mesmo que ele não tivesse tido essa sorte.
Três crianças subiram até ao alpendre. Um rapaz estava vestido de Homem-Aranha, uma menina de Catwoman. Aparentavam ter cerca de nove anos. O fato da terceira criança arrancou um sorriso a Mafarrico. Uma menina com cerca de sete anos envergava um fato de abelhão.
“Doçura ou travessura!” Gritaram em uníssono em frente a Mafarrico.
Mafarrico riu-se e remexeu o cesto à procura de doces. Deu-lhes alguns, eles agradeceram e foram-se embora.
“Para de lhes dar doces!” Rosnou o avô. “Quando é que vais deixar de encorajar estas pestes?”
Mafarrico desafiava silenciosamente o avô há já algumas horas. Pagaria por isso mais tarde.
Entretanto, o avô ainda rabujava. “Não te esqueças, temos trabalho a fazer amanhã à noite.”
Mafarrico não respondeu, limitou-se a ouvir o baloiço a chiar. Não, ele não esqueceria o que tinha que ser feito amanhã à noite. Era um trabalho sujo, mas tinha que ser feito.
*
Libby Clark seguiu o irmão mais velho e a prima na direção do bosque escuro nas traseiras dos quintais do bairro. Ela não queria estar ali. Ela queria estar em casa aninhada no conforto da sua cama.