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A CARÍCIA DA MORTE

 

(UM MISTÉRIO DE RILEY PAIGE—LIVRO 6)

 

 

 

B L A K E   P I E R C E

 

 

 

 

Blake Pierce

 

Blake Pierce é autor da série bestseller de mistérios RILEY PAGE, que inclui sete livros (e ainda há mais por vir). Ele também é o autor da série de mistério MACKENZIE WHITE, que inclui cinco livros (mais estão previstos); da série de mistério AVERY BLACK, composta por quatro livros (mais por vir); e da nova série de mistério KERI LOCKE.

Um leitor ávido e fã de longa data dos gêneros de mistério e suspense, Blake adora ouvir as opiniões de seus leitores. Então, por favor, sinta-se à vontade para visitar o site www.blakepierceauthor.com e manter contato.

 

Copyright© 2016 Blake Pierce. Todos os direitos reservados. Exceto como permitido sob o Copyright Act dos Estados Unidos de 1976, nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma ou meios, ou armazenada numa base de dados ou sistema de recuperação sem a autorização prévia do autor. Este ebook está licenciado apenas para seu usufruto pessoal. Este ebook não pode ser revendido ou dado a outras pessoas. Se gostava de partilhar este ebook com outra pessoa, por favor compre uma cópia para cada recipiente. Se está a ler este livro e não o comprou ou não foi comprado apenas para seu uso, por favor devolva-o e compre a sua cópia. Obrigado por respeitar o trabalho árduo deste autor. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, organizações, locais, eventos e incidentes ou são o produto da imaginação do autor ou usados ficcionalmente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é uma coincidência. Jacket image Copyright GongTo, usado sob licença de Shutterstock.com.

 

 

 

LIVROS ESCRITOS POR BLAKE PIERCE

 

SÉRIE DE MISTÉRIO DE RILEY PAIGE

SEM PISTAS (Livro #1)

ACORRENTADAS (Livro #2)

ARREBATADAS (Livro #3)

ATRAÍDAS (Livro #4)

PERSEGUIDA (Livro #5)

A CARÍCIA DA MORTE (Livro #6)

COBIÇADAS (Livro #7)

 

SÉRIE DE ENIGMAS MACKENZIE WHITE

ANTES QUE ELE MATE (Livro nº1)

ANTES QUE ELE VEJA (Livro nº2)

 

SÉRIE DE ENIGMAS AVERY BLACK

MOTIVO PARA MATAR (Livro nº1)

MOTIVO PARA CORRER (Livro nº2)

 

SÉRIE DE MISTÉRIO KERI LOCKE

RASTRO DE MORTE (Livro 1)

 

 

 

 

ÍNDICE

 

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO CATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZASSEIS

CAPÍTULO DEZASSETE

CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZANOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

CAPÍTULO TRINTA E UM

CAPÍTULO TRINTA E DOIS

CAPÍTULO TRINTA DE TRÊS

CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

CAPÍTULO TRINTA E CINCO

CAPÍTULO TRINTA E SEIS

CAPÍTULO TRINTA E SETE

CAPÍTULO TRINTA E OITO

CAPÍTULO TRINTA E NOVE

CAPÍTULO QUARENTA

CAPÍTULO QUARENTA E UM

 

 

 

PRÓLOGO

 

A terapeuta sorriu amavelmente ao seu paciente, Cody Woods, ao desligar a máquina.

“Penso que chega de MCP por hoje,” Disse-lhe à medida que a perna do paciente parava de se mexer.

A máquina movimentara lenta e repetidamente a perna durante quase duas horas, ajudando-o a recuperar da sua cirurgia ao joelho.

“Quase me esquecia que estava ligada, Hallie,” Disse Cody com uma ligeira risada.

Ela teve uma sensação agridoce. Ela gostava daquele nome – Hallie. Era o nome que utilizava quando trabalhava ali no Centro de Reabilitação Signet como terapeuta freelance.

Era uma pena que Hallie Stillians desaparecesse no dia seguinte sem deixar rasto.

De qualquer das formas, era assim que as coisas se processavam.

E para além disso, tinha outros nomes de que também gostava.

Hallie retirou a máquina da cama e colocou-a no chão. Endireitou cuidadosamente a perna de Cody e endireitou os cobertores.

Por fim, acariciou o cabelo de Cody – um gesto íntimo que a maior parte dos terapeutas evitavam. Mas ela assumia aqueles pequenos gestos com frequência e nunca nenhum paciente se queixara. Ela sabia que projetava um certo calor e empatia – e acima de tudo, total sinceridade. Vindo dela, um pequeno toque inocente era perfeitamente apropriado. Nunca ninguém o interpretara de forma incorreta.

“Como está a dor?” Perguntou ela.

Cody vinha tendo algum invulgar inchaço e inflamação depois da operação. Por isso ali ficara mais três dias e ainda não fora para casa. Esse também era o motivo por que Hallie ali estava a fazer a sua magia curativa especial. O pessoal ali no centro conhecia bem o trabalho de Hallie. Os funcionários gostavam dela e os pacientes gostavam dela, por isso era frequentemente convocada para situações como aquela.

“A dor?” Perguntou Cody. “Quase me esqueci dela. A sua voz fê-la desaparecer.”

Hallie sentiu-se lisonjeada, mas não surpreendida. Estivera a ler-lhe um livro enquanto a máquina estava a trabalhar – um thriller de espionagem. Ela sabia que a sua voz tinha um efeito calmante – quase anestésico. Não importava se estava a ler Dickens ou algum romance pulp ou o jornal. Os pacientes não necessitavam de muita medicação para a dor quando estavam sob os seus cuidados; Geralmente o som da sua voz era suficiente.

“Então é verdade que posso ir para casa amanhã?” Perguntou Cody.

Hallie hesitou um milésimo de segundo. Ela não podia ser inteiramente sincera. Não tinha a certeza como é que o seu paciente se sentiria no dia seguinte.

“É o que me dizem,” Afirmou ela. “Como se sente ao saber isso?”

O rosto de Cody foi atravessado por uma expressão de tristeza.

“Não sei,” Disse ele. “Daqui a três semanas é a vez do outro joelho, mas já cá não vai estar para me ajudar.”

Hallie segurou na sua mão carinhosamente. Ela tinha pena que ele se sentisse daquela forma. Desde que estava sob os seus cuidados, ela contara-lhe uma longa história sobre a sua suposta vida – uma história bastante entediante, pensava ela, mas ele parecia encantado com ela.

Por fim, ela explicou-lhe que o seu marido Rupert estava prestes a reformar-se da sua carreira de contabilista. O seu filho mais novo, James, estava em Hollywood a tentar vingar como argumentista. O filho mais velho, Wendell, estava ali em Seattle a dar aulas de Linguística na Universidade. Agora que os filhos estavam crescidos e entregues a si, ela e Rupert iam mudar-se para uma adorável vila colonial no México onde planeavam passar o resto das suas vidas. Partiam no dia seguinte.

Era uma bonita história, Pensou.

E no entanto, nada tinha de verdadeira.

Ela vivia sozinha.

Completamente sozinha.

“Ah, veja só, o seu chá ficou frio,” Disse ela. “Vou aquecê-lo.”

Cody sorriu e disse, “Obrigado. E tome também algum. A chaleira está no balcão.”

Hallie sorriu e disse, “Claro,” tal como sempre fazia quando repetiam aquela rotina. Levantou-se da cadeira, pegou na caneca de chá tépido de Cody e levou-a até ao balcão.

Mas desta vez, pegou na sua mala que se encontrava atrás do micro-ondas, dela retirando um pequeno contentor plástico cujo conteúdo esvaziou no chá de Cody. Fê-lo rapidamente, furtivamente, um movimento que aperfeiçoara com a prática, de tal forma que tinha a certeza que ele não o tinha percecionado. Mesmo assim, o seu coração bateu com maior rapidez.

Depois ela serviu-se de chá e colocou ambas as canecas no micro-ondas.

Não me posso enganar, Lembrou-se a si própria. A caneca amarela é para o Cody, a azul para mim.

Enquanto o micro-ondas trabalhava, voltou a sentar-se junto de Cody e olhou para ele sem dizer uma palavra.

Ele tinha um rosto agradável, Pensou ela. Mas tinha-lhe contado factos da sua própria vida e ela sabia que ele estava triste. Já estava triste há muito tempo. Fora um atleta premiado no secundário. Mas magoara os joelhos a jogar futebol, terminando as esperanças de prosseguir uma carreira no desporto. Aqueles mesmos ferimentos acabaram por resultar na necessidade de substituir as rótulas.

Desde essa altura que a sua vida ficara marcada pela tragédia. A sua primeira mulher morrera num acidente de viação e a segunda mulher deixara-o por outro homem. Tinha dois filhos adultos, mas não falavam com ele. Também tivera um ataque cardíaco há alguns anos atrás.

Ela ficava admirada com o facto dele não se ter tornado numa pessoa amarga. Na verdade, parecia cheio de esperança e otimista em relação ao futuro.

Julgava-o querido, mas ingénuo.

Ela sabia que a sua vida não ia mudar para melhor.

Era demasiado tarde para isso.

O micro-ondas deu sinal e Hallie despertou da sua divagação. Cody olhava para ela com olhos bondosos e expectantes.

Ela deu-lhe uma palmadinha na mão, levantou-se e caminhou na direção do micro-ondas. Retirou as canecas, quentes ao toque.

Lembrou-se mais uma vez.

Amarela para o Cody, azul para mim.

Era importante não as trocar.

Ambos bebericaram o chá sem dizer nada. Hallie encarava aqueles momentos como momentos de companheirismo tranquilo. Entristecia-a um pouco saber que não haveria mais momentos daqueles. Dali a alguns dias, este paciente já não precisaria dela.

Dali a nada Cody cabeceava de sono. Ela misturara o pó com um medicamento para dormir para garantir que tal sucedia.

Hallie levantou-se e juntou os seus pertences para se ir embora.

E então começou a cantar suavemente uma canção que conhecia desde sempre:

 

Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.

Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.

Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.

Não há mais suspiros,

Fecha os olhos

E estarás em casa pelo sono.

 

Os seus olhos fecharam-se, ela afagou o seu cabelo carinhosamente.

Então, depois de lhe pousar um beijo afável na testa, ergueu-se e foi-se embora.

 

 

 

CAPÍTULO UM

 

A Agente do FBI Riley Paige estava preocupada enquanto caminhava na escada de desembarque do Phoenix Sky Harbor International Airport. Estivera ansiosa durante todo o voo desde o Reagan Washington International. Viera à pressa porque ouvira que uma adolescente estava desaparecida – Jilly – uma rapariga em relação à qual Riley se sentia especialmente próxima. Riley estava determinada a ajudar a rapariga e até colocava a hipótese de a adotar.

Quando Riley se encaminhava para o portão de saída, caminhando apressadamente, olhou para cima e ficou chocada ao ver a própria Jilly ali com o agente do FBI do gabinete de Phoenix Garrett Holbrook mesmo a seu lado.

Jilly Scarlatti de treze anos estava ao lado de Garrett, a piscar os olhos, obviamente à sua espera.

Riley ficou confusa. Tinha sido Garrett a telefonar-lhe para lhe dizer que Jilly tinha fugido e estava em parte incerta.

Contudo, antes de Riley fazer qualquer pergunta, Jilly correu na sua direção e atirou-se para os seus braços a soluçar.

“Oh, Riley, desculpa. Desculpa-me. Nunca mais volto a fazer o mesmo.”

Riley abraçou Jilly carinhosamente, olhando para Garrett em busca de uma explicação. A irmã de Garrett, Bonnie Flaxman, tinha tentado adotar Jilly, mas Jilly rebelara-se e fugira.

Garrett sorriu ligeiramente – uma expressão fora do normal para um homem geralmente taciturno.

“Ela ligou à Bonnie depois de saires de Fredericksburg,” Disse Garrett. “Disse que só queria dizer adeus de uma vez por todas. Mas então a Bonnie disse-lhe que estavas a caminho para a levares contigo para casa. Claro que ficou logo entusiasmada e disse-nos onde a devíamos ir buscar.”

Ele olhou para Riley.

“Vires até cá salvou-a,” Concluiu Garrett.

Riley limitou-se a ficar parada durante uns instantes com Jilly a soluçar nos seus braços, sentindo-se estranhamente desajeitada e indefesa.

Jilly murmurou algo que Riley não conseguiu ouvir.

“O quê?” Perguntou Riley.

Jilly recompôs-se e olhou Riley nos olhos, olhos castanhos a transbordar de lágrimas.

“Mãe?” Disse Jilly com uma voz tímida e sufocada. “Posso chamar-te de Mãe?”

Riley abraçou-a novamente, esmagada pelo confuso massacre de emoções a que estava a ser sujeita.

“Claro,” Disse Riley.

Depois virou-se para Garrett. “Obrigada por tudo o que fizeste.”

“Ainda bem que pude ajudar, pelo menos um pouco,” Respondeu. “Precisas de um lugar para ficar enquanto cá estás?”

“Não. Agora que a Jilly foi encontrada, não vale a pena. Apanhamos o próximo voo de regresso.”

Garrett apertou-lhe a mão. “Espero que resulte para ambas.”

Depois foi-se embora.

Riley olhou para a adolescente que ainda estava agarrada a ela. Riley sentia uma mistura de sentimentos. Se por um lado estava eufórica por tê-la encontrado, por outro estava apreensiva quanto ao que o futuro lhes reservaria.

“Vamos comer um hambúrguer,” Disse Riley a Jilly.

 

*

 

Nevava levemente durante a viagem de carro do Reagan Washington Airport até casa. Jilly olhava silenciosamente pela janela. O seu silêncio era uma grande mudança depois do voo de mais de quatro horas de Phoenix. Nessa altura, Jilly não conseguia parar de falar. Nunca andara de avião e estava curiosa em relação a tudo.

Porque é que agora está tão sossegada? Interrogou-se Riley.

Ocorreu-lhe que a neve devia ser uma visão pouco usual para uma rapariga que tinha vivido toda a sua vida no Arizona.

“Já tinhas visto neve?” Perguntou Riley.

“Só na televisão.”

“Gostas?” Questionou-a Riley.

Jilly não respondeu, o que fez com que Riley se sentisse desconfortável. Ela lembrava-se da primeira vez que vira Jilly. A rapariga tinha fugido de um pai agressivo. Num ato de puro desespero, decidira tornar-se prostituta. Fora para uma paragem de camionistas que era um lugar conhecido no mundo do engate de prostitutas – chamavam-lhes “lot lizards” porque eram particularmente maltrapilhos.

Riley estava lá a investigar uma série de homicídios de prostitutas. Acontecera encontrar Jilly escondida na cabina de um camião à espera de se vender ao condutor quando ele regressasse.

Riley entregara Jilly aos Serviços de Proteção de Menores e mantivera o contacto com ela. A irmã de Garrett acolhera Jilly para a adotar, mas Jilly tinha acabado por fugir novamente.

E fora nessa altura que Riley decidira levar Jilly para sua casa.

Mas agora começava a pensar se cometera um erro. Já tinha que cuidar de uma filha de quinze anos, April. Só a April podia dar uma trabalheira. Tinham passado juntas por algumas experiências traumáticas desde que o casamento de Riley terminara.

E o que é que ela na verdade sabia sobre a Jilly? Será que fazia a mais pequena ideia do quão traumatiada ela estaria? Estaria preparada para lidar com os desafios que Jilly lhe poderia apresentar? E apesar de April ter aprovado a vinda de Jilly, como é que as duas adolescentes se dariam?

De repente, Jilly falou.

“Onde é que vou dormir?”

Riley ficou aliviada por ouvir a voz de Jilly.

“Vais ter um quarto só para ti,” Disse. “É pequeno mas acho que é perfeito para ti.”

Jilly calou-se novamente.

Então, passados alguns momentos disse, “Mais alguém ficou nesse quarto?”

Agora Jilly parecia preocupada.

“Não desde que lá vivemos,” Disse Riley. “Tentei adaptá-lo a escritório, mas era demasiado grande por isso instalei o escritório no meu quarto. A April e eu comprámos uma cama e uma cómoda mas quando tivermos tempo, podes escolher alguns posters e uma colcha de que gostes.”

“O meu próprio quarto,” Disse Jilly.

Pareceu a Riley que ela soava mais apreensiva do que feliz.

“Onde dorme a April?” Perguntou Jilly.

Riley preferia que Jilly esperasse até chegarem a casa e então veria tudo por si própria. Mas a rapariga parecia precisar de uma garantia naquele preciso momento.

“A April tem o seu próprio quarto,” Disse Riley. “Mas tu e a April vão partilhar a mesma casa de banho. Eu tenho uma só para mim.”

“Quem limpa a casa? Quem cozinha?” Perguntou Jilly. Depois acrescentou ansiosamente, “Não cozinho lá muito bem.”

“A nossa empregada, Gabriela, trata disso tudo. Ela é da Guatemala. Vive connosco, num apartamento na cave. Vais conhecê-la não tarda nada. Ela vai tomar conta de ti quando eu tiver que me ausentar.”

Outro silêncio.

Então Jilly perguntou, “A Gabriela vai-me bater?”

Riley ficou abismada com aquela pergunta.

“Não. É claro que não. Porque é que ela faria uma coisa dessas?”

Jilly não respondeu. Riley tentou compreender o significado daquela questão.

Tentou convencer-se de que não deveria ficar surpreendida. Riley ainda se lembrava do que Jilly lhe tinha dito quando a encontrou na cabina do camião e lhe disse que tinha que ir para casa.

“Eu não vou para casa. O meu pai bate-me se volto.”

Os serviços sociais de Phoenix já tinham retirado a custódia de Jilly ao pai. Riley sabia que a mãe de Jilly estava em parte incerta há muito tempo. Jilly tinha um irmão algures, mas ninguém sabia notícias dele há algum tempo.

Partiu-se-lhe o coração perceber que Jilly receava receber um tratamento semelhante na sua nova casa. Parecia que a pobre rapariga nem conseguia imaginar algo melhor na vida.

“Ninguém te vai bater, Jilly,” Disse Riley, com a voz a tremer um pouco de emoção. “Nunca mais. Vamos tomar bem conta de ti. Percebes?”

Mais uma vez, Jilly não respondeu. Riley desejava que ela ao menos dissesse que percebia e que acreditava no que Riley lhe transmitia. Mas em vez disso, Jilly mudou de assunto.

“Gosto do teu carro,” Disse. “Posso aprender a conduzir?”

“Claro, quando fores mais velha,” Disse Riley. “Agora vamos é instalar-te na tua nova vida.”

 

*

 

Ainda caía alguma neve quando Riley estacionou o carro em frente à sua casa e ela e Jilly saíram da viatura. O rosto de Jilly contraía-se um pouco quando os flocos de neve lhe tocavam na pele. Parecia não gostar daquela nova sensação. E tremia freneticamente de frio.

Temos que lhe arranjar umas roupas mais quentes imediatamente, Pensou Riley.

A meio caminho entre o carro e a porta de entrada, Jilly estacou. Olhou para a casa.

“Não posso fazer isto,” Disse Jilly.

“Por que não?”

Jilly calou-se durante alguns instantes. Parecia um animal acossado. Riley suspeitava que o mero pensamento de viver num lugar tão aprazível a oprimia.

“Vou atrapalhar a April, não vou?” Perguntou Jilly. “Quero dizer, a casa de banho é dela.”

Parecia procurar desculpas, agarrar-se a razões para que tudo parecesse um projeto votado ao fracasso.

“Não vais atrapalhar a April,” Disse Riley. “Agora entra.”

Riley abriu a porta. No interior, à espera, estavam April e Ryan, o ex-marido de Riley. Os rostos eram sorridentes e acolhedores.

April foi logo ter com Jilly e deu-lhe um grande abraço.

“Chamo-me April,” Disse. “Estou tão feliz por teres vindo. Vais gostar muito de cá estar.”

Riley ficou alarmada com a diferença entre as duas raparigas. Ela sempre considerara April magra e desengonçada, mas ao lado de Jilly parecia robusta. Riley atribuiu a extrema magreza de Jilly ao facto de, ao longo da sua vida, ter passado fome em alguns momentos.

Tantas coisas que ainda não sei, Pensou Riley.

De repente, Gabriela surgiu da cave, apresentando-se com um amplo sorriso.

“Bem-vinda à família!” Exclamou Gabriela, dando um abraço a Jilly.

Riley reparou que a pele da robusta mulher Guatemalteca era apenas ligeiramente mais escura do que a de Jilly.

“Vente!” Disse Gabriela, pegando na mão de Jilly. “Vamos até lá acima. Vou mostrar-te o teu quarto!”

Mas Jilly afastou a mão e ficou parada a tremer. Começaram a correr-lhe lágrimas pelo rosto. Sentou-se nas escadas e chorou. April sentou-se a seu lado e colocou-lhe um braço à volta dos ombros.

“Jilly, o que é que se passa?” Perguntou April.

Jilly abanou a cabeça lastimosamente.

“Não sei,” Soluçou. “É só que… Não sei. É tudo demasiado.”

April sorriu amorosamente e deu-lhe uma palmadinha carinhosa nas costas.

“Eu sei, eu sei,” Disse. “Vem até lá acima. Vais-te sentir em casa num instante.”

Jilly levantou-se obedientemente e seguiu April. Riley ficou agradada por constatar a forma graciosa como a filha estava a lidar com a situação. É claro que April sempre dissera que queria ter uma irmã mais nova. Mas April tinha passado por momentos difíceis que a tinham traumatizado gravemente.

Talvez, Pensou Riley esperançosa, a April seja capaz de compreender a Jilly melhor do que eu.

Gabriela olhou compassivamente para as duas raparigas.

“¡Pobrecita!” Disse. “Espero que fique bem.”

Gabriela voltou para a cave, deixando Riley e Ryan sozinhos. Ryan ficou a olhar para as escadas, parecendo algo atordoado.

Espero que não esteja arrependido, Pensou Riley. Vou precisar do apoio dele.

Muito tinha acontecido entre ela e Ryan. Nos últimos anos do seu casamento, fora um marido infiel e um pai ausente. Tinham-se separado e divorciado. Mas ultimamente Ryan parecia outro homem e passavam cada vez mais tempo juntos.

Tinham conversado sobre o desafio de introduzir a Jilly nas suas vidas. Ryan parecera entusiasmado com a ideia.

“Ainda concordas com isto?” Perguntou-lhe Riley.

Ryan olhou para ela e disse, “Sim. Mas vai ser duro, muito duro.”

Riley anuiu e seguiu-se um silêncio incómodo.

“Penso que talvez seja melhor eu ir embora,” Disse Ryan.

Riley sentiu-se aliviada. Deu-lhe um beijo leve, ele vestiu o casaco e foi-se embora. Riley preparou uma bebida e sentou-se sozinha na sala de estar.

No que é que nos meti? Interrogou-se.

Ela esperava que as suas boas intenções não dividissem novamente a sua família.

 

 

 

 

CAPÍTULO DOIS

 

Riley acordou apreensiva na manhã seguinte. Aquele ia ser o primeiro dia da vida de Jilly na sua nova casa. Tinham muito que fazer e Riley esperava que tudo corresse pelo melhor.

Na noite anterior apercebera-se que a transição de Jilly para a sua nova vida envolveria trabalho árduo de todos. Mas April tinha intervido e ajudara Jilly a instalar-se. Tinham escolhido roupas para Jilly usar no dia de hoje – não das que trouxera consigo num saco de compras, mas das coisas novas que Riley e April lhe tinham comprado.

Jilly e April tinham ido para a cama, por fim.

Riley também tinha ido, mas o seu sono fora perturbado e agitado.

Agora levantara-se e vestira-se, e dirigia-se para a cozinha onde April ajudava Gabriela a preparar o pequeno-almoço.

“Onde está a Jilly?” Perguntou April.

“Ainda não se levantou,” Disse April.

Riley ficou preocupada.

Dirigiu-se ao fundo das escadas e gritou, “Jilly, é altura de te levantares.”

Nenhuma resposta lhe chegou. De repente, foi dominada pelo pânico. Teria Jilly fugido durante a noite?

“Jilly, ouviste-me?” Chamou. “Temos que te matricular na escola agora de manhã.”

“Estou a ir,” Respondeu Jilly.

Riley respirou de alívio. O tom de Jilly era soturno, mas pelo menos estava ali e a colaborar.

Em anos recentes, Riley ouvira com frequência aquele mesmo tom de April. Agora April parecia ter passado essa fase, embora ainda tivesse recaídas de tempos a tempos. Riley interrogou-se se estaria mesmo à altura da tarefa de criar outra adolescente.

E naquele preciso momento, alguém bateu à porta. Quando Riley abriu a porta, deparou-se com o seu vizinho Blaine Hildreth.

Riley estava surpreendida por vê-lo, mas não desagradada. Blaine era alguns anos mais novo do que ela, um homem atraente e encantador, proprietário de um restaurante sofisticado na cidade. Na verdade, ela sentira uma inconfundível mútua atração entre eles que impossibilitava qualquer hipótese de restabelecer a ligação com Ryan. Mas mais importante do que tudo, Blaine era um vizinho maravilhoso e as filhas de ambos, melhores amigas.

“Olá Riley,” Cumprimentou Blaine. “Espero que não seja demasiado cedo.”

“De maneira nenhuma,” Disse Riley. “O que se passa?”

Blaine encolheu os ombros com um sorriso triste.

“Vim cá para me despedir,” Disse ele.

Riley ficou perplexa.

“O que é que queres dizer com isso?” Perguntou.

Ele hesitou e antes de responder, Riley viu um enorme camião estacionado em frente à sua casa. Homens transportavam mobília da casa de Blaine para o camião.

Riley ainda não conseguia acreditar no que via.

“Vais-te mudar?” Perguntou.

“Pareceu-me o melhor a fazer,” Disse Blaine.

Riley quase não conseguiu evitar perguntar, “Porquê?”

Mas era fácil adivinhar. Viver como vizinho de Riley provara ser perigoso e aterrador, tanto para Blaine como para a filha, Crystal. O penso que ainda ostentava no rosto provava-o. Blaine fora gravemente ferido quando tentara proteger April do ataque de um assassino.

“Não é o que estás a pensar,” Disse Blaine.

Mas Riley conseguia perceber pela sua expressão que se tratava exatamente daquilo em que ela estava a pensar.

Ele prosseguiu, “Chegámos à conclusão que este lugar não era o mais conveniente. Fica muito longe do restaurante. Encontrei uma casa bem agradável mais perto. Tenho a certeza que compreendes.”

Riley sentia-se demasiado confusa e aborrecida para responder. Memórias do terrível incidente regressaram numa torrente arrasadora.

Ela estava em Nova Iorque a trabalhar num caso quando soubera que um assassino brutal estava à solta. Chamava-se Orin Rhodes. Dezasseis anos antes, Riley fora obrigada a abater a namorada num tiroteio e ele fora preso. Quando Rhodes foi finalmente libertado de Sing Sing, jurara vingar-se de Riley e de todos os que ela mais amava.

Antes de Riley conseguir chegar a casa, Rhodes invadiu a sua casa e atacou April e Gabriela. Na casa ao lado, Blaine apercebera-se da luta e interviera para ajudar. O mais certo era ter salvo a vida de April. Mas fora gravemente ferido ao tentar.

Riley visitara-o duas vezes no hospital. Da primeira vez fora devastador. Ele ainda estava inconsciente com tubos intravenosos nos dois braços e uma máscara de oxigénio. Riley culpara-se amargamente do que lhe acontecera.

Mas quando o visitou pela segunda vez, ficou mais animada. Ele estava alerta e alegre, e até brincara com um pouco de orgulho da sua imprudência.

Acima de tudo, ela lembrava-se do que ele lhe dissera na altura…

“Eu faria qualquer coisa por ti e pela April.”

Era óbvio que já não tinha tanta certeza. O perigo de ser vizinho de Riley provara ser um fardo demasiado pasado para ele e agora ia-se embora. Ela não sabia se se devia sentir magoada ou culpada. De uma coisa tinha a certeza: sentia-se desiludida.

Os pensamentos de Riley foram interrompidos pela voz de April atrás dela.

“Oh meu Deus! Blaine, vocês vão-se mudar? A Crystal ainda está cá?”

Blaine anuiu.

“Tenho que lá ir dizer-lhe adeus,” Disse April.

April desatou a correr porta fora em direção à porta do lado.

Riley ainda estava a tentar organizar as suas próprias emoções.

“Peço desculpa,” Disse ela.

“Desculpa porquê?” Perguntou Blaine.

“Tu sabes.”

Blaine assentiu. “A culpa não foi tua Riley,” Disse ele com um tom de voz carinhoso.

Riley e Blaine fitaram-se durante um momento. Por fim, Blaine forçou um sorriso.

“Ei, eu não vou propriamente abandonar a cidade,” Disse ele. “Podemos sempre encontrar-nos quando quisermos. E as miúdas também. E elas ainda vão frequentar a mesma escola. Será como se nada tivesse mudado.”

Um sabor amargo apoderou-se da boca de Riley.

Isso não é verdade, Pensou. Tudo mudou.

E nessa altura a desilusão começou a dar lugar à fúria. Riley sabia que não estava certo sentir-se zangada. Ela não tinha esse direito. Ela nem sequer sabia porque é que se sentia assim. Tudo o que sabia era que não o conseguia evitar.

E o que deviam fazer agora?

Dar um abraço? Apertar as mãos?

Ela tinha a sensação de que Blaine sentia a mesma estranheza e indecisão.

Conseguiram trocar um adeus conciso. Blaine voltou para casa e Riley regressou para dentro da sua. Encontrou Jilly a tomar o pequeno-almoço na cozinha. Gabriela já colocara o pequeno-almoço de Riley na mesa por isso, sentou-se à mesa e comeu com Jilly.

“Então, estás entusiasmada com o dia de hoje?”

A pergunta de Riley saiu antes de perceber quão desajeitada soara.

“Acho que sim,” Disse Jilly, espetando um garfo nas panquecas. Nem olhou para Riley.

 

*

 

Um pouco mais tarde, Riley e Jilly entravam na Brody Middle School. O edifício era atraente com cacifos com portas de cores coloridas alinhados no corredor e arte de estudantes visível em todo o lado.

Uma aluna educada e agradável ofereceu ajuda e direcionou-as para o gabiente principal. Riley agradeceu-lhe e continuou a percorrer o corredor, segurando nos papéis de matrícula de Jilly com uma das mãos e segurando na mão de Jilly com a outra.

Anteriormente, tinham-se registado no gabinete central. Tinham levado a papelada que os Serviços Sociais de Phoenix tinham reunido – boletim de vacinas, transcrições escolares, a certidão de nascimento de Jilly e uma declaração de que Riley era a tutora oficial de Jilly. Jilly tinha sido retirada da custódia do pai, apesar dele ter ameaçado contestar essa decisão. Riley sabia que o caminho para finalizar e legalizar uma adoção não seria rápido ou fácil.

Jilly apertou com força a mão de Riley. Riley teve a sensação de que a rapariga se sentia muito pouco à vontade. Não era difícil imaginar porquê. Por muito dura que tivesse sido a vida em Phoneix, era o único lugar onde Jilly jamais tinha vivido.

“Porque é que não posso ir para a escola com a April?” Perguntou Jilly.

“No próximo ano vais estar no mesmo liceu,” Disse Riley. “Mas primeiro tens que terminar o oitavo ano.”

Encontraram o gabinete principal e Riley mostrou os papéis à rececionista.

“Gostaríamos de ver alguém para matricular a Jilly na escola,” Disse Riley.

“Tem que se encontrar com um orientador escolar,” Disse a rececionista com um sorriso. “Venham por aqui.”

Ambas precisamos de alguma orientação, Pensou Riley.

A orientadora era uma mulher na casa dos trinta anos com um cabelo castanho encaracolado. Chamava-se Wanda Lewis e o seu sorriso era tão terno quanto um sorriso pode ser. Riley pensou que ela podia realmente ajudar. Com certeza que uma mulher naquela posição já teria lidado com outros alunos com passados problemáticos.

Wanda Lewis fez-lhes uma visita guiada à escola. A biblioteca era impecável, organizada e bem fornecida de computadores e livros. No ginásio, raparigas jogavam basquetebol com alegria. A cantina era limpa e reluzente. Tudo parecia absolutamente perfeito para Riley.

Durante todo aquele tempo, Wanda Lewis colocou a Jilly várias perguntas acerca da sua anterior escola e sobre os seus interesses. Mas Jilly quase não disse nada em resposta e não colocou quaisquer perguntas. A sua curiosidade pareceu espevitar um pouco quando espreitou para a sala de arte. Mas mal se prosseguiu, voltou ao seu silêncio e indiferença.

Riley interrogou-se do que poderia estar a passar pela cabeça da rapariga. Ela sabia que as suas notas mais recentes haviam sido fracas, mas já tinham sido ótimas em anos anteriores. A verdade era que Riley quase não sabia nada sobre a experiência escolar passada de Jilly.

Talvez até odiasse a escola.

Esta nova devia ser assustadora, um lugar onde Jilly não conhecia ninguém. E claro, não ia ser fácil recuperar o atraso nos estudos quando só faltavam algumas semanas para o fim do período.

No fim da visita guiada, Riley conseguiu persuadir Jilly a agradecer a Wanda Lewis. Concordaram que Jilly começaria as aulas no dia seguinte. Depois Riley e Jilly saíram para o exterior rumo ao frio cortante de Janeiro. Uma fina camada da neve do dia anterior repousava no parque de estacionamento.

“Então o que te pareceu a tua nova escola?” Perguntou Riley.

“Bem,” Disse Jilly.

Riley não conseguia perceber se Jilly estava a ser soturna ou se estava simplesmente atordoada com todas as alterações que tinha que encarar. Ao aproximarem-se do carro, notou que Jilly tremia muito e que os dentes batiam. Usava um casaco pesado de April mas o frio estava mesmo a ser um problema para ela.

Entraram no carro e Riley ligou a ignição e o ar quente. Mesmo com o carro mais quente, Jilly ainda tremia.

Riley manteve o carro estacionado. Chegara o momento de descobrir o que incomodava aquela menina que estava ao seu cuidado.

“O que é que se passa?” Perguntou. “Há alguam coisa na escola que te incomode?”

“Não é a escola,” Disse Jilly, com a voz agora a tremer. “É o frio.”

“Bem sei que não faz frio em Phoenix,” Disse Riley. “Isto deve ser estranho para ti.”

Os olhos de Jilly encheram-se de lágrimas.

“Às vezes faz frio,” Disse ela. “Sobretudo à noite.”

“Diz-me o que é que se passa,” Pediu Riley.

As lágrimas começaram a correr pelo rosto. Ela falava numa vozinha mínima e abafada.

“O frio faz-me lembrar…”

Jilly calou-se. Riley esperou pacientemente.

“O meu pai culpava-me sempre por tudo,” Disse Jilly. “Culpava-me por a minha mãe se ter ido embora, e pelo meu irmão e até me culpava por ser despedido dos empregos que arranjava. Tudo o que corria mal, era sempre culpa minha.”

Agora Jilly soluçava silenciosamente.

“Continua,” Disse Riley.

“Uma noite ele disse-me que queria que eu me fosse embora,” Disse Jilly. “Disse que eu era um peso morto, que eu o atrasava, que já estava farto de mim. Expulsou-me de casa. Fechou as portas e eu não conseguia entrar.”

Jilly engoliu em seco perante aquela memória.

“Nunca senti tanto frio na minha vida,” Disse ela. “Nem agora com este tempo. Encontrei um grande tubo de canalização numa vala e era suficientemente grande para eu caber lá dentro, por isso foi lá que passei a noite. Era tão assustador. Às vezes as pessoas andavam por perto mas eu não queria que me descobrissem. Não pareciam pessoas que me ajudassem.”

Riley fechou os olhos, imaginando a rapariga escondida naquele tubo escuro. Murmurou, “E o que aconteceu depois?”

Jilly prosseguiu, “Fiquei por lá a noite toda. Não consegui dormir. Na manhã seguinte, voltei para casa e bati à porta e chamei pelo pai e implorei-lhe que me deixasse entrar. Ele ignorou-me, como se eu nem sequer ali estivesse. Foi quando fui para a paragem de camiões. Ali estava quente e havia comida. Algumas das mulheres eram simpáticas comigo e eu pensei que faria qualquer coisa para ficar ali. Foi nessa noite que me encontraste.”

Jilly acalmou ao contar a sua história. Parecia aliviada por libertar aquele peso de dentro de si. Mas agora Riley chorava. Mal podia acreditar o que aquela pobre rapariga tinha suportado. Colocou o braço à volta de Jilly e abraçou-a com força.

“Nunca mais,” Disse Riley no meio dos soluços. “Jilly, prometo-te, nunca mais te vais sentir assim outra vez.”

Era uma grande promessa e Riley sentia-se pequena, fraca e frágil naquele momento. Só esperava poder cumpri-la.

 

 

 

CAPÍTULO TRÊS

 

A mulher não parava de pensar no pobre Cody Woods. Ela tinha a certeza que ele já estaria morto por aquela altura. Saberia, com toda a certeza, pelo jornal da manhã.

Por muito que estivesse a apreciar o seu chá quente e granola, esperar pelas notícias impacientava-a.

Quando é que o jornal chega? Pensou, olhando para o relógio da cozinha.

A entrega parecia estar a atrasar-se cada vez mais nos últimos dias. É claro que não teria estes problemas com uma assinatura digital, mas a verdade era que não gostava de ler o jornal no computador. Gostava de se sentar numa cadeira confortável e desfrutar da sensação antiquada de segurar um jornal nas suas mãos. Ela até gostava da forma como a tinta por vezes ficava agarrada aos dedos.

Mas o jornal já estava atrasado quinze minutos. Se demorasse muito mais, teria que ligar e fazer uma reclamação. Odiaria ter que o fazer. Amargurava-a.

De qualquer das formas, o jornal era a única forma que tinha de descobrir o que sucedera a Cody. Não podia simplesmente ligar para o Centro de Reabilitação Signet para saber dele. Isso seria muito suspeito. Para além disso, para o pessoal de lá, ela já estava no México com o marido sem planos para regressar.

Ou melhor, Hallie Stillians estava no México. Era triste que nunca mais pudesse voltar a ser Hallie Stillians. Tinha-se afeiçoado particularmente àquele pseudónimo. Tinha sido simpático da parte do pessoal do Centro de Signet terem-lhe feito uma surpresa com um bolo no seu último dia no centro.

Sorriu ao lembrar-se. O bolo tinha sido decorado com sombreros coloridos e uma mensagem:

 

Buen Viaje, Hallie e Rupert!

 

Rupert era o nome do seu marido imaginário. Iria ter saudades de falar dele de forma tão carinhosa.

Terminou a sua granola e continuou a bebericar o seu chá caseiro preparado segundo uma antiga receita de família – uma receita diferente da que tinha partilhado com Cody e é claro que sem os ingredientes especiais que tinha acrescentado para ele.

Começou a cantar ociosamente…

 

Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.

Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.

 

Como o Cody tinha gostado daquela canção! Também tinham gostado os outros pacientes. E muitos mais pacientes no futuro iriam gostar em igual medida. Aquele pensamento aquecia-lhe o coração.

E naquele preciso momento, ouviu um baque na porta da frente. Apressou-se para a abrir e olhou para o exterior. Repousado no degrau frio estava o jornal da manhã. A tremer de excitação, apanhou-o, voltou para a cozinha e abriu-o nos anúncios de mortes.

E lá estava:

 

SEATTLECody Woods, 49, de Seattle…

 

Parou por um momento naquele ponto. Estranho. Quase podia jurar que ele lhe tinha dito que tinha cinquenta anos. Depois leu o resto…

 

… no Hospital South Hills, Seattle, Wash.; Serviços Funerários e de Cremação Sutton-Brinks, Seattle.

 

E era tudo. Era conciso, mesmo para um simples anúncio de morte.

Esperava que houvesse um simpático obituário nos próximos dias, mas estava preocupada que talvez não houvesse. Quem o iria escrever afinal de contas?

Estivera sozinho no mundo, pelo menos pelo que ela sabia. Uma mulher tinha falecido, outra tinha-o deixado e os dois filhos não lhe falavam. Não lhe dissera mais nada sobre mais ninguém – amigos, familiares, colegas de trabalho.

Que importa? Interrogou-se.

Sentiu uma fúria amarga e familiar a subir-lhe na garganta.

Fúria contra todas as pessoas na vida de Cody Woods que não queriam saber se ele estava vivo ou morto.

Fúria contra o pessoal sorridente no Centro de Signet, fingindo que gostavam e que teriam saudades de Hallie Stillians.

Fúria contra toda a gente e as suas mentiras e os seus segredos e a sua maldade.

Como fazia com frequência, imaginou-se a sobrevoar o mundo com as suas asas negras, a provocar a morte e a destruição aos maldosos.

E todos eram maldosos.

Toda a gente merecia morrer.

Até Cody Woods fora mau e merecia morrer.

Que tipo de homem fora ele na verdade para deixar este mundo sem que ninguém o amasse?

Com certeza um homem horrível.

Horrível e detestável.

“É bem feito,” Rosnou.